Opinião do Estadão
Nem sequer um centavo foi investido até agora pela estatal venezuelana PDVSA na construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A obra é tocada só com recursos da Petrobrás, embora tenha sido planejada e anunciada como empreendimento conjunto. A pedra fundamental foi lançada em dezembro de 2005 pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez. Esse projeto seria a primeira grande realização da Aliança Estratégica formalizada em fevereiro daquele ano, em Caracas, com a presença da ministra de Minas e Energia do Brasil, Dilma Rousseff. Passados cinco anos, o balanço de realizações conjuntas é irrisório. A PDVSA deveria custear 40% da refinaria. Sem cumprir sua parte, pode ser forçada a renunciar ao projeto. Outras tentativas de cooperação também fracassaram. Uma delas, já abandonada, foi o plano de atuação da Petrobrás na área petrolífera do Orinoco.
A Aliança Estratégica formalizada pelos presidentes Chávez e Lula foi uma tentativa de combinar duas bandeiras do atraso - o bolivarianismo do caudilho venezuelano e o terceiro-mundismo requentado da diplomacia petista. Nada útil poderia resultar desse acasalamento.
Atribuir a expansão do comércio bilateral a essa iniciativa é um disparate evidente. O intercâmbio do Brasil com toda a América do Sul cresceu nos últimos dez anos, como consequência da prosperidade regional e de um esforço de integração intensificado a partir dos anos 90. Empresas brasileiras já tinham interesses na Venezuela bem antes da aproximação Chávez-Lula.
A "aliança" formalizada em 2005 e reafirmada em 2009 apenas acrescentou ingredientes ideológicos à cooperação bilateral. Foi mais uma aposta errada do presidente Lula - uma entre várias escolhas estratégicas baseadas na fantasia e não no cálculo de interesses concretos.
A ampliação do comércio bilateral foi muito mais acidentada do que teria sido, certamente, se a Venezuela estivesse sob um governo democrático, sem delírios expansionistas e livre da retórica anticapitalista. Atrasos de pagamentos foram um problema frequente para exportadores brasileiros, assim como a discriminação cambial a favor de produtores de outros países.
O governo petista não só aceitou essas distorções, como ainda se esforçou para incluir no Mercosul a Venezuela do presidente Chávez. A inclusão ainda não se consumou porque não foi aprovada pelo Congresso paraguaio. Se for consumada, o bloco regional, já emperrado e com enormes dificuldades para negociar com grandes parceiros como União Europeia e Estados Unidos, ainda passará a depender dos humores e das ambições de um caudilho fanfarrão.
Esse caudilho, é bom não esquecer, não tem prazo para deixar o governo de seu país nem está sujeito a limitações de tipo democrático. A diplomacia petista notabilizou-se pela frequência de suas apostas erradas. Ao enterrar a Alca, deixou espaço para uma série de acordos bilaterais dos Estados Unidos com outros países latino-americanos. Além disso, jogou fora a chance de negociar condições preferenciais de acesso a vários mercados antes da grande invasão chinesa.
Produtores brasileiros têm perdido competitividade tanto nos Estados Unidos como na América Latina. Se o Mercosul quiser iniciar um novo entendimento com Washington, terá de negociar levando em conta regras de investimento e de propriedade intelectual já acertadas naqueles acordos.
A diplomacia petista errou também - por esquecer os interesses nacionais - ao eleger a maioria dos "parceiros estratégicos". Estados Unidos e Europa continuam sendo muito mais importantes que o Brasil para russos e chineses. Nenhum desses parceiros se afastou de seus interesses para favorecer o comércio com o Brasil. Ao contrário: as conveniências brasileiras foram preteridas, quase sempre (como, por exemplo, na atribuição, pelo governo russo, de cotas para exportadores de carne). Os africanos nunca deixaram de se aliar aos europeus nas questões comerciais. Se a coerência no erro é uma virtude, então a diplomacia petista tem pelo menos essa qualidade. A aliança com Hugo Chávez comprova esse fato.
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