Claudio Weber Abramo (*)
Versos de Chico Buarque vêm à mente na véspera da eleição; o contexto é outro, mas a evocação faz sentido
Faz quase exatamente 40 anos que Chico Buarque compôs “Apesar de Você”, uma de suas músicas mais marcantes. Avisava os detentores do poder de então que a vida passa e que a escuridão do regime militar um dia se dissiparia.
Os versos vêm à mente nesta véspera de eleição. O contexto é outro, mas a evocação, creio, faz sentido. Não, contudo, na direção esperançosa que inspirava o compositor. E, apresso-me a esclarecer, tampouco desejo fazer alusão ao candidato X ou Y.
“Amanhã há de ser outro dia”, prosseguia o refrão de Chico Buarque. O problema está aí. Que amanhã?
A principal disputa eleitoral que se resolverá (é o que a tendência do eleitorado indica) no pleito do próximo domingo opõe candidatos que, ao longo da campanha, se eximiram de adotar alguma coloração.
Conforme se apontou neste mesmo e em outros espaços, a competição presidencial não se trava sobre concepções diversas a respeito do rumo da sociedade, mas em torno de trivialidades e, no máximo, questiúnculas gerenciais.
A mensagem coletiva que passam ao eleitorado é que vai tudo muito bem , quando basta um olhar ligeiro sobre a sociedade, a economia e as instituições para perceber que as coisas não vão bem de jeito nenhum.
Isso tem pouco ou nada a ver com os oito anos de Lula no poder. Tem a ver com moléstias estruturais que permanecem instaladas com a complacência conjunta de petistas, tucanos, demistas e o que mais venha à mente.
Veja-se, para começar, a qualidade da representação política.
Costuma-se falar em “partidos de aluguel”, pequenas agremiações que estão permanentemente à venda. O epíteto oculta coisa muito mais grave, a saber, aquilo que se poderia denominar de partidos de arrendamento, entre os quais o PMDB é o exemplo mais saliente, embora não único.
Alia-se a qualquer um, e qualquer um se alia a ele, como demonstram as coligações estaduais. O preço, idêntico ao dos partidos de aluguel, são cargos na administração.
Não apenas a representação política deixa de fazer sentido, como o Poder Legislativo deixa na prática de existir. De quebra, não há administração pública que resista ao assalto contumaz praticado pelos agentes políticos.
Olhe-se para o lado do Judiciário, e o que é que se enxerga? Um poder paralisado, perdido em seus próprios meandros e que falha miseravelmente na entrega da justiça.
Como é que esse tipo de tema não aparece numa campanha eleitoral, ainda que lateralmente (é complicado e não sensibiliza marqueteiros, mas mesmo assim)?
Por outro lado, deve-se talvez considerar que a evolução da sociedade moderna induz nas pessoas um acanhamento das perspectivas. Os horizontes vão se estreitando aos limites da existência pessoal ou familiar. A visão de sociedade, de futuro, de aspiração coletiva, desaparece.
Para além desse âmbito, o que parece existir são forças inexoráveis que operam numa esfera situada além da capacidade de compreensão das pessoas. Resta-lhes obedecer, porque, se não obedecerem, serão esmagadas.
Até outro dia.
(*) Diretor-Executivo da Transparência Brasil
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