José Nêumanne para O Estado de S.Paulo
O Departamento de Polícia Federal (DPF), subordinado ao Ministério da Justiça, tem sido um ai-jesus do marketing eleiçoeiro nestes sete anos e dez meses das gestões petistas de Lula. Vende-se a ideia de que, na "nova administração", os agentes encarregados de reprimir contrabando e tráfico de drogas, entre outros delitos de sua alçada, tornaram-se, de repente, mãos armadas pelo Estado brasileiro, pela primeira vez sob controle popular, para prender e algemar criminosos contra os interesses do povo trabalhador. Como num passe de mágica, a estrutura repressiva, truculenta e corrupta de antes da República pete-lulista se teria transformado num instrumento incorruptível e implacável de justiça, que passou a povoar seus xadrezes com políticos e burgueses inescrupulosos que fazem fortuna se apropriando do parco pão dos pobres. Será essa a expressão da verdade ou mera propaganda enganosa?
A pergunta tornou-se inevitável após as notícias da investigação feita pelos federais sobre a quebra de sigilo fiscal e bancário da filha do candidato da oposição à Presidência da República, José Serra, do PSDB, do marido dela e de outros tucanos de alta plumagem, entre os quais o vice-presidente nacional do partido, Eduardo Jorge Caldas Pereira. A duas semanas do segundo turno da eleição presidencial, em que a sorte da candidata do presidente, Dilma Rousseff, do PT, será lançada, os investigadores descobriram o óbvio: o sigilo foi quebrado por servidores da Receita Federal, que tinham em comum a carteirinha do PT. Só que com a conclusão factual veio um palpite, que virou veredicto, de que não havia conexão entre a quebra de sigilo de tucanos por petistas e o pleito, apesar da feroz disputa deste por vítimas e algozes. Nem o dr. Watson seria capaz de explicar ao detetive Sherlock Holmes a lógica da teoria de que, além das aparências, as evidências também enganam. Ou seja, a prova definitiva de não ter havido motivação partidária na prática do delito seriam os laços dos servidores delinquentes com o partido no poder e dos contribuintes lesados com o partido do opositor renitente.
Algum desavisado pode imaginar que esse absurdo da prática investigativa tenha sido um mero tropeço numa caminhada de acertos da polícia cidadã de que tanto os ex-ministros da Justiça Márcio Thomaz Bastos e Tarso Genro sempre disseram se orgulhar. Uma radiografia isenta e desapaixonada das operações com denominações escalafobéticas do DPF, porém, conduz à conclusão exatamente oposta.
O militante petista Waldomiro Diniz foi filmado e gravado achacando o "empresário" da jogatina Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira. Em 2002, ano da primeira vitória eleitoral de Lula para a Presidência, ele abordou o referido doador potencial para lhe pedir dinheiro para as campanhas eleitorais de Rosinha Matheus (PMDB, ex-PSB), Benedita da Silva (senadora do PT), do Rio de Janeiro, e Geraldo Magela (PT), de Brasília. Em contrapartida, ofereceu ao interlocutor a possibilidade de modificar a seu bel-prazer um edital da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj), estatal que presidia naquela ocasião. Mas, seis anos e oito meses depois da denúncia do caso pela revista Época, o DPF não conseguiu produzir um inquérito capaz de servir de base para o Ministério Público processar o ex-encarregado por José Dirceu das negociações do Palácio do Planalto com as bancadas governistas no Congresso. A impunidade por ele gozada agora é perpétua, pois, já prescrito, seu crime ficará impune para sempre.
De Waldomiro Diniz para cá, o DPF tem brilhado nas páginas dos jornais com prisões de empresários, banqueiros e políticos sem relevância de regiões remotas do imenso território brasileiro. De 2003 a 2004, no primeiro governo Lula, foram realizadas 292 operações, nas quais 153 políticos tiveram a vida devassada. Em 2007, 54 políticos foram investigados em 188 operações. Em 2008, 101 em 235; e em 2009 e 2010, 69 em 288. Entre 2003 e outubro de 2010, 393 políticos tiveram de se explicar aos agentes federais do DPF. Entre eles, o único figurão do governo federal que virou alvo dos policiais foi o ex-presidente da Empresa de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) Carlos Wilson Campos. A diferença entre o governista e seus colegas da oposição indiciados é que, enquanto os outros foram autuados, ele foi "dispensado": afinal, tinha morrido.
Dois anos depois do achaque ao "bingueiro", o DPF, sob Lula, tentou prender o financista Daniel Dantas na Operação Chacal, deflagrada por uma fraude - um CD-ROM produzido pela sócia italiana que disputava com ele o controle da Brasil Telecom foi entregue aos federais como "prova" de que o acusado tinha contratado a empresa de consultoria americana Kroll para espionar sócios e autoridades. Foi provado pela perícia oficial que não houve crime. Mas o DPF não descansou até prender o gestor de fundos, tendo como base outra fraude - o vídeo produzido pela equipe do repórter César Tralli, da Globo, procurando exibir a hipotética tentativa de suborno do delegado por dois pretensos emissários de Dantas. A Procuradoria de Milão, ao investigar fraudes da Telecom Italia, constatou que ela subornou autoridades da República e policiais brasileiros para defenderem seus interesses. O próprio DPF processou o delegado encarregado do caso, Protógenes Queiroz, o que não impediu que ele se elegesse deputado federal com sobras dos votos do palhaço Tiririca, e isso lhe garantirá, entre outros benefícios, foro privilegiado.
Dois lembretes antes de concluir: Lula pediu que o ex-presidente FHC mandasse o DPF investigar o assassinato de Celso Daniel, em 2002. E garantiu à viúva de Toninho "do PT" que, no poder, tudo faria para punir quem matou o marido dela, em 2001. Algum leitor arguto pode informar em que, nove anos depois do assassínio do prefeito de Campinas e passados 106 meses da execução do de Santo André, o DPF contribuiu para os inquéritos que apuram estes dois casos?
(*) Jornalista e Escritor, é Editorialista do "Jornal da Tarde " de SPo
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