Um dos fundadores do PT, o jurista Hélio Bicudo declara seu voto ao candidato do PSDB à presidência, José Serra, pelo que crê ser um "raciocínio democrático". Duas vezes deputado, ele defende a alternância de poder e acredita que a eleição da petista Dilma Rousseff daria muito poder ao partido e ao presidente Lula.
- Eu acho que você tem um sistema democrático que está em risco na medida em que a Dilma vencer estas eleições. Na verdade, ela diz que ela é o Lula e o Lula diz que ela é ele. Então, quer dizer, você vai entregar nas mãos do Lula a presidência da República. Isso é o caminho para uma ditadura civil.
Em entrevista a Terra Magazine, Bicudo criticou o manifesto assinado por intelectuais e artistas em prol da candidatura de Dilma. "São pessoas que ainda não raciocinaram democraticamente", rebate. O documento que conta com apoio de Chico Buarque, Oscar Niemeyer, Marilena Chauí e Leonardo Boff foi apresentado na noite de segunda (18).
Hélio Bicudo deixou o PT em 2005 após as denúncias de corrupção do chamado "Mensalão". Hoje, preside a Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos.
Apesar de apontar a corrupção como o motivo de sua saída do partido, Bicudo demonstra decepção com a liderança de Lula, a quem chama de "dono do PT".
- O Lula, enquanto presidente do PT, anulou todas as possibilidades de novas lideranças surgirem, para ser ele apenas.
O jurista falou ainda de sua indignação ao receber, do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim e de Antonio de Aguiar Patriota, a oferta de um cargo na Unesco, que, na prática, segundo Bicudo, seriam "férias pagas pelo governo".
- Nunca fui atrás de sinecura. Mas isso aí rodou, rodou e acabou nessa oferta de 45 dias em Paris por conta do governo. Eu, absolutamente, não aceitei e mandei uma carta ao Celso Amorim, dizendo que aquilo era um desaforo para mim. Mandei ainda uma cópia da carta ao Lula e ao Zé Dirceu. E acabou o assunto. Senti que estavam querendo me comprar. Para ir a Paris, não preciso de dinheiro público.
Crítico do atual sistema político, ele defende que apenas com uma reforma os partidos e o Congresso terão mais representatividade.
- O problema é que hoje os partidos políticos são todos iguais. As direções partidárias impedem a criação de novas lideranças.
Leia a entrevista na íntegra.
Terra Magazine - O senhor declarou voto ao candidato do PSDB à presidência, José Serra, não?
Hélio Bicudo - Isso.
É um pouco curioso pela sua trajetória como fundador do PT...
Não, mas eu saí do PT em 2005. Quando começaram as notícias de corrupção, eu saí.
Nessa conjuntura atual, o que te estimulou?
Eu acho que você tem um sistema democrático que está em risco na medida em que a Dilma vencer estas eleições. Na verdade, ela diz que ela é o Lula e o Lula diz que ela é ele. Então, quer dizer, você vai entregar nas mãos do Lula a presidência da República, o legislativo federal - Câmara e Senado já estão com ele. Você vai entregar os governos da maioria dos Estados. Ele já tem nas mãos o Supremo Tribunal Federal. E o povo, um grande número de adesões para a atuação dele. Então, você vai dar a ele todos os instrumentos para continuar e aumentar o não cumprimento de normas constitucionais e legais. Isso é o caminho para uma ditadura civil. E tem outro problema, que é a questão da alternância do poder, que é uma das características da democracia. Se você entrega a um partido só oito anos e mais oito e mais oito você vai ter o mesmo regime que funcionou no México e funcionou mal, através da corrupção e da violência. Quanto mais tempo você dá a um determinado conjunto de pessoas, mais elas vão tripudiando sobre as leis.
No seu blog, o senhor fala da necessidade de uma reforma política contra isso.
Também, também. Agora, é uma reforma política que não interessa a quem está no poder nestas condições. Se você tem a rédea do poder nas mãos, por que você vai largar essas rédeas para construir uma reforma política? Se ela fosse uma reforma real que viesse de baixo para cima, você poderia encontrar algo de importante para a preservação do sistema democrático. Porque, como eu já disse e repito, o sistema democrático, seja o presidente que for, deve ser vigiado por uma oposição competente. O Lula vai ter essa oposição competente nas mãos dele. As maiores bancadas são do PT e do PMDB, que é um partido aliado. Então, ele pode fazer uma oposição que não foi feita há oito anos.
O senhor fala muito sobre esse poder que o Lula ganhou...
Ganhou não, pode ganhar.
Então o senhor não se refere aos oito anos de governo Lula, mas a esta eleição apenas?
Eu acho que essa questão da reeleição foi um dos grandes erros do Congresso brasileiro, quando aceitou uma imposição do Fernando Henrique Cardoso. Porque eu acho que quatro ou cinco anos são mais que suficientes. Dizer que você não consegue fazer um governo em quatro anos é uma história mal contada. Você tem um mandato muito estendido que pode ser reestendido muitas vezes. Quem tem a força da administração pública na mão e compete com quem não tem, é evidente que essa pessoa tem vantagens que os outros não têm. Então, na verdade, essa eleição é uma eleição pré-fabricada. O presidente, em vez de assumir a posição de um magistrado, vai para os palanques. Ele ignora a Constituição.
O presidente Lula acabou se tornando mais importante que o PT?
Eu acho que há muito tempo ele é mais importante que o PT porque, na verdade, ele é o dono do PT. O Lula, enquanto presidente do PT, anulou todas as possibilidades de novas lideranças surgirem, para ser ele apenas. E ele domina o partido a ponto de impor uma candidata que é cristã nova no partido, digamos assim.
Atualmente, essa é a sua maior objeção contra o PT ou são mesmo as denúncias de corrupção?
Não, é evidente. Você tem casos de corrupção desde o início do governo do Lula, a questão do mensalão... E mesmo agora, com a Dilma. Dizer "ah, não sei, eu não sabia" é uma conversa muito mole.
O seu apoio ao candidato José Serra é na verdade um protesto contra a situação atual do PT?
Não, eu não tenho mais nada a ver com o PT. Eu não sou contra. Eu acho até que o militante do PT é sempre uma pessoa de boa vontade que tem anseios de ver as coisas no Brasil melhorarem cada vez mais. O problema é que hoje os partidos políticos são todos iguais. As direções partidárias impedem a criação de novas lideranças. Então fica aquilo num ciclo vicioso. Por exemplo, quem é que vai ser candidato ao governo de São Paulo? Quem vai ser candidato à presidência? É quem o Lula quer. Esse é o problema. Não é um problema do Lula, eu acho que é um problema da sociedade brasileira.
Por isso a defesa de uma reforma? Como os partidos poderiam ter mais representatividade?
Lógico. O povo não se representa na Câmara. Quem se representa são as direções partidárias. E elas também não representam o povo. Eu acho que é preciso fazer uma reforma política, mas quem é que vai fazer essa reforma? Os próprios que estão lá vão fazer a reforma a favor deles. Quer dizer, é preciso que a sociedade civil se mexa. E a sociedade civil está apática. A sociedade civil está muito interessada nos shoppings, nas baladas, nos shows, no futebol e pronto. A sociedade não tem representatividade. Para apresentar um projeto de lei que vai ser discutido pelo legislativo, precisa ter um 1,5 milhão de assinaturas. E depois esse projeto pode ser alterado - como o projeto da Ficha Limpa foi alterado - no Congresso, para pior. Então, quer dizer, a vontade popular no sistema brasileiro não vale nada.
Há ainda um grupo de intelectuais - que, nesta segunda-feira, até entregou um manifesto de apoio à candidatura Dilma - que se mantém com o PT. O que o senhor pensa disso?
São pessoas que ainda não raciocinaram democraticamente. Que não têm na cabeça o espírito democrático, mas têm o espírito de servir àquele que for o senhor.
Há uma história de que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim e o Antonio de Aguiar Patriota ofereceram um cargo para o senhor na Unesco.
É verdade. Só que não era cargo. Eram férias pagas pelo governo, três vezes por ano, durante 15 dias, em Paris (risos).
O senhor já declarou que Amorim e Patriota disseram que seria ótimo, porque o senhor viajaria três vezes por ano por conta do governo. É isso mesmo?
Exatamente.
Em que circunstância esse cargo foi oferecido?
Bom, compromisso para o Lula não vale. Mas havia um compromisso dele com a Marta Suplicy no sentido de que, eu saindo da vice prefeitura de São Paulo, seria aproveitado em um posto internacional ligado aos direitos humanos. Era um negócio para trabalhar, não era uma sinecura. Nunca fui atrás de sinecura. Mas isso aí rodou, rodou e acabou nessa oferta de 45 dias em Paris por conta do governo. Eu, absolutamente, não aceitei e mandei uma carta ao Celso Amorim, dizendo que aquilo era um desaforo para mim. Mandei ainda uma cópia da carta ao Lula e ao Zé Dirceu. E acabou o assunto. Senti que estavam querendo me comprar. Para ir a Paris, não preciso de dinheiro público.
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