José Goldemberg (*) para O Estado de S.Paulo
Como acontece em outras áreas - tais como as de tecnologia, de padrões de consumo e até da moralidade pública -, as grandes inovações que marcaram os avanços da civilização demoram a chegar ao Brasil. Essa é uma característica geral de países periféricos que ainda têm um peso relativamente pequeno no cenário internacional.
As preocupações com a preservação ambiental caem nessa categoria, como ficou evidente na década de 70 do século passado. Na Conferência de Estocolmo de 1972, que deu origem aos esforços de reduzir a poluição no mundo todo, o Brasil teve um desempenho lamentável, defendendo posições como as que o economista e ex-ministro Delfim Netto expressou recentemente em entrevista ao jornalista Ricardo Arnt: "Se diziam que a indústria do aço ia sair da Europa por causa da poluição, eu respondia: vem para o Brasil, porque temos espaço bastante para a poluição e é mais importante fazer aço; da poluição cuidamos depois" (O que os Economistas Pensam sobre Sustentabilidade - Editora 34). As percepções de Delfim Netto sobre meio ambiente, contudo, melhoraram muito desde então.
Outro exemplo é dado, no mesmo livro de Ricardo Arnt acima citado, pelo também economista e ex-ministro Maílson da Nóbrega - que naquela época era alto funcionário do Banco do Brasil -, ao lembrar que a Rodovia Transamazônica (BR-230) foi criada "em meio ao clamor para se fazer alguma coisa que permitisse a expansão da fronteira agrícola e fosse capaz de resolver o problema de seca no Nordeste". Por essa razão, a legislação que criou a Transamazônica é a que criou o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (Proterra), que tornou viáveis migrações para a Amazônia. Conta Maílson da Nóbrega que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) chegou a fazer uma usina de álcool na Transamazônica, ignorando que a cana "era belíssima, mas sem sacarose para produzir álcool ou açúcar".
A ideia de que reduzir a poluição torna o crescimento econômico inviável é irracional, mas foi, e ainda é, o paradigma usado por muitos economistas e desenvolvimentistas no mundo todo.
Foram essas visões incorretas que levaram ao surgimento do movimento ambientalista mais ligado à "esquerda", que atribui o crescimento predatório a um capitalismo selvagem e, portanto, no seu entender, a solução é combater o capitalismo como um todo. Por outro lado, o ambientalismo mais ligado à "direita" vem do século 19 e tem a característica de tentar preservar o meio ambiente e a paisagem, dando a eles um sabor imobilista que às vezes serve a interesses de grupos de pressão. No atual movimento ambientalista essas duas visões coexistem.
A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 beneficiou-se do movimento ambientalista ligado à "esquerda". A escolha de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, no mesmo ano, refletiu esse apoio. Mas o que ocorreu é que o zelo da ministra em implementar a legislação ambiental logo se transformou num obstáculo às obras desenvolvimentistas que o governo pretendia realizar, como a transposição do Rio São Francisco e a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia.
A ficção de que as teses da ministra Marina Silva eram levadas a sério dentro do governo se dissipou rapidamente, resultando na sua saída do governo - tardiamente, a nosso ver. Como resultado, porém, os ambientalistas acabaram sendo caracterizados como inimigos do desenvolvimento, atrasando desnecessariamente, por motivos fúteis, obras de grande vulto, como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O presidente Lula contribuiu consideravelmente para essa tentativa de desqualificação do movimento ambientalista, acusado de se preocupar mais com os "bagres do Rio Madeira" do que com a geração de eletricidade.
O problema fundamental aqui é o de distinguir entre o que os economistas chamam de "crescimento sustentável" - entendido como crescimento econômico sem sobressaltos e sem flutuações na taxa de câmbio - e o assim denominado "desenvolvimento sustentável", em que não somente o progresso econômico é levado em conta, como também o uso eficiente dos recursos naturais, com as melhores tecnologias disponíveis e com a preservação ambiental (na medida do possível). A primeira opção ("crescimento sustentável") é até viável por curtos períodos de tempo, mas só a segunda ("desenvolvimento sustentável") é duradoura. A primeira olha o curto prazo e a segunda, o médio e o longo prazos, sendo evidente que o atual governo só teve em mente o curto prazo.
Por exemplo, o desmatamento da Amazônia para expandir pastagens para gado é uma atividade de baixo rendimento econômico que terá sérias consequências, porque vai mudar (e está mudando) o regime de chuvas de todo o País, além de contribuir significativamente para as emissões de gases que provocam o aquecimento global. Portanto, é essencial dirigir os rumos do crescimento econômico da região em outras direções, o que não foi feito. Argumentar que a Europa também destruiu suas florestas para progredir e que agora querem impedir-nos de fazer o mesmo reflete pura ignorância: a eliminação das florestas europeias ocorreu ao longo de mil anos e o Brasil está fazendo isso em 30 anos, na Amazônia.
As únicas medidas sérias tomadas no Brasil nos últimos anos para orientar o País na direção do desenvolvimento sustentável foram a aprovação de leis propostas pelo prefeito Gilberto Kassab, no Município de São Paulo, e pelo ex-governador José Serra, no Estado de São Paulo, que estabelecem metas e prazos para reduzir as emissões de carbono (e outros poluentes) até o ano 2020. Essas leis vão conduzir o País a uma economia de baixo carbono e não constituem um freio ao crescimento econômico, mas, ao contrário, levarão a uma modernização da indústria brasileira, o que aumentará sua competitividade no comércio internacional.
(*) Professor da USP. Foi secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo
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