sábado, 16 de março de 2013

E como fica a tradição?

Bellini Tavares de Lima Neto (*) 

O dia 13.03.13 passou meio despercebido. Tirando um ou outro comentário esparso, de um modo geral não houve quase nenhum destaque à data tão interessante. Deve ter sido porque as trombetas do fim do mundo ainda devem andar meio desafinadas com o fiasco do Calendário Maia. Isso não quer dizer que tenha diminuído essa fixação do ser humano pelos grandes mistérios. O que é uma pena porque há tanto mais de real importância nos cercando a vida inteira sem que se dê conta. 

Logo depois do 13 do 3 do 13 veio o 14 cuja combinação numérica não despertou interesse especial algum para a grande maioria. No entanto, foi exatamente nesse 14 que os registros de controle de estoque do mundo indicaram algumas baixas em itens de importância. Caíram um pouco os níveis de estoque de ternura, docilidade, carinho além de outros semelhantes. Como, porém, a sequencia numérica não mostrava nenhuma aparência intrigante, a grande maioria das pessoas não percebeu essa queda no estoque de elementos tão essenciais à própria vida humana no planeta. 

De fato, a grande maioria não notou, mas, sempre que há uma maioria, há uma minoria. E, para esse pequena minoria, esse 14 foi muito especial, marcante. E nada bem-vindo. Nesse 14 o mundo, mesmo sem saber, ficou um pouco menos iluminado. E um pouco menos doce, menos terno, menos feliz. Perdeu um sorriso largo, um jeito simples, mas repleto de afago, braços prontos para envolver a todos. 

Quanta coisa se pode aprender, descobrir ou confirmar em alguns pares de horas? Essa pergunta comporta muitas respostas. Pode ser só um pouco, ou nada, ou um pouco mais ou uma infinidade de coisas. Em cerca de 12 horas se pode reavivar na memória uma porção de momentos comuns, vividos de forma despretensiosa, natural, que nunca chamaram a atenção em particular e, no entanto, sempre foram recheados de um prazer caseiro, algo assim como bolinho de chuva. Também se pode confirmar o que, o fundo, sempre se soube: o quanto alguém pode conseguir armazenar dessa matéria prima chamada amor, essa argamassa cujas construções desafiam o tempo e as intempéries. Num espaço de tempo de 12 horas se pode percorrer algumas décadas, desde aquelas bem do inicio de uma trajetória onde tudo é pisar em ovos até os pontos mais maduros, consistentes, mais cheios de conteúdo e, portanto, mais produtivos. 

Nessa dúzia de horas, pode perfeitamente acontecer de o coração assumir o comando da nave e, ainda que por alguns segundos, ignorar os planos de voo e optar pelo mergulho inconsequente num espaço louco de alegrias, risadas, conversas de se jogar fora, tudo isso que, em lugar dos grandes eventos e mistérios, são os verdadeiros responsáveis por essa maluquice chamada vida, que ninguém até agora conseguiu explicar o como e por que e, muito menos, o começo e o fim. 

Não sei se o fim chega ou se tudo é só um recomeço. O que eu sei é que algumas pessoas passam por nossa vida e deixam frustrações que nunca, nunca serão corrigidas. Eu, por exemplo, me casei há tanto tempo e nunca pude exercer o meu legítimo direito de falar mal de minha sogra. Ora, há uma imenso contingente de genros a quem é assegurado esse privilégio, ditado e preservado pela mais longínqua tradição. Quando chegou a minha vez, pronto: lá veio ela e simplesmente me impediu de ser igual a tantos outros. Em vez disso, foi essa pessoa aí de cima, causadora do fenômeno do dia 14 que quase ninguém percebeu, só nós, a pequena minoria aí de cima. 

Francamente, hein? E agora? Mas, desta vez, quase no fim das 12 horas de descobertas e confirmações, eu falei: “D. Anna, a senhora foi a vergonha na tradição das sogras. Ficou devendo essa, tá”. Ah, falei mesmo. 

(*) Advogado, avô, corintiano e morador em São Bernardo do Campo (SP)

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