Walcyr Carrasco (*)
O barulho desta semana em torno da morte de Eliza Samudio me faz pensar. Antes do assassinato, Eliza já estava condenada. Eliza teve uma vida sórdida. Seu pai, Luiz Carlos Samudio, que a criou, está foragido nalgum país do Cone Sul, depois de ter sido condenado a oito anos por estupro. A vítima, no caso, foi a própria irmã de Eliza, por parte de pai, aos 10 anos de idade, em 2003. Segundo se comenta, atualmente ele montou um bordel no Paraguai. Também se falou muito, embora não tenha sido provado, que o próprio pai manteve relações sexuais com Eliza, ainda adolescente. E também a teria oferecido a amigos.
Mais tarde, Eliza veio para São Paulo. Fez programas. Atuou no cinema pornô, onde protagonizou Violação anal 4. O título já diz o suficiente. Pode parecer surpreendente, mas já tive contato com quem fez cinema pornô. Um amigo, autor de teatro infantil, a certa altura da vida, dedicou-se a dirigir filmes pornôs. Quando a pornochanchada – inocentíssima para os padrões de hoje em dia – entrou em decadência, vários diretores importantes fizeram filmes de sexo explícito.
Recentemente, um amigo quis produzir um filme sobre a vida de um astro pornô, considerado o maior “garanhão” do Brasil. Só desistiu quando, ao fazer o roteiro, o rapaz tentou convencê-lo de que nunca fez programas e que só era um bom “profissional”. Só faltou dizer que ia à missa todos os dias. Ao longo de anos, tracei um perfil de quem atua em filme pornô. Algumas pessoas ainda acreditam – pasmem – que atuar em filmes de sexo explícito abrirá as portas de uma carreira na televisão. Outras contentam-se em ganhar a vida. Para os rapazes, pode ser até motivo de orgulho “trabalhar” dessa maneira.
Contam para a família. Muitos pais ufanam-se com a “performance” dos filhos. Para as mulheres, é mais complicado. Fazer sexo explícito é pregar na testa um letreiro que diz: prostituta. É um mundo sombrio.
A maioria dos profissionais do filme pornô afirma que é “uma profissão como outra qualquer”. Não acredito nisso. Simular amor e prazer mexe com os sentimentos e a personalidade. Ninguém sai ileso dessa experiência. Continue lendo...
Eliza usou a única arma que tinha para sobreviver: seu corpo. Quando conheceu Bruno, parecia a chance de sua vida. Teve Bruninho. Não vou negar: ela deve ter infernizado a vida do ex-goleiro do Flamengo com pedidos. Sei de casos, atualmente, em que as garotas de programa filmam, com o celular, o encontro com o executivo. Para depois fazer chantagem. Eis o que quero dizer: Eliza não era santa. Quis usar o filho. Atirou-se no que parecia a única oportunidade de deixar a vida que tinha. Deixo claro: em nenhum momento isso justifica o que aconteceu. Pelo contrário. Tenho duplamente pena de Eliza. Por sua morte, e pelo que viveu.
Mas, o que restava a Eliza? Se sofreu abuso sexual, como tudo indica, onde estavam seus professores, que não notaram diferença no comportamento da menina?
O juiz, que deu a guarda ao pai? E a mãe, Sônia Moura, que se debulhou no julgamento? Como ex-mulher, dona Sônia deveria ter uma boa ideia de quem era o pai de sua filha. Mas Eliza mal via a mãe, quando viva. A quem essa moça podia apelar, onde se hospedar em São Paulo? Tantas moças e moços, como Eliza, só têm a si próprios. Não há uma casa de apoio onde possam morar. Um convento, como nos séculos passados, onde poderiam bater e pedir abrigo. Nada. Enfrentam o mundo sozinhos.
Hoje mesmo, vários jovens solitários no mundo estão sendo postos na rua. Crianças sem pai nem mãe têm direito a permanecer nos abrigos públicos até os 18 anos. Nessa idade, a não ser que haja um projeto específico de algum juiz de menores bem-intencionado, perdem o teto. O que alguém de 18 anos pode fazer? A não ser aceitar a primeira grana que aparece, seja como for?
Há um batalhão de pequenas Elizas vivendo na miséria, abusadas, vendidas por pais e mães, dispostas a qualquer negócio para sobreviver. Desde já, estão condenadas a uma vida sórdida. E nós, onde estamos? O que a sociedade e o Estado brasileiro oferecem em termos de centros de recuperação, casas de apoio? Ou de um acompanhamento psicológico para crianças em escolas públicas, para detectar problemas? Somos todos omissos. Ficamos perplexos diante do escândalo do ex-goleiro Bruno. Eliza logo será esquecida. Mas todos nós, que estamos bem e felizes, temos a ver com a tragédia de sua vida e sua morte.
(*) Escritor, dramaturgo e autor de telenovelas brasileiras.
O barulho desta semana em torno da morte de Eliza Samudio me faz pensar. Antes do assassinato, Eliza já estava condenada. Eliza teve uma vida sórdida. Seu pai, Luiz Carlos Samudio, que a criou, está foragido nalgum país do Cone Sul, depois de ter sido condenado a oito anos por estupro. A vítima, no caso, foi a própria irmã de Eliza, por parte de pai, aos 10 anos de idade, em 2003. Segundo se comenta, atualmente ele montou um bordel no Paraguai. Também se falou muito, embora não tenha sido provado, que o próprio pai manteve relações sexuais com Eliza, ainda adolescente. E também a teria oferecido a amigos.
Mais tarde, Eliza veio para São Paulo. Fez programas. Atuou no cinema pornô, onde protagonizou Violação anal 4. O título já diz o suficiente. Pode parecer surpreendente, mas já tive contato com quem fez cinema pornô. Um amigo, autor de teatro infantil, a certa altura da vida, dedicou-se a dirigir filmes pornôs. Quando a pornochanchada – inocentíssima para os padrões de hoje em dia – entrou em decadência, vários diretores importantes fizeram filmes de sexo explícito.
Recentemente, um amigo quis produzir um filme sobre a vida de um astro pornô, considerado o maior “garanhão” do Brasil. Só desistiu quando, ao fazer o roteiro, o rapaz tentou convencê-lo de que nunca fez programas e que só era um bom “profissional”. Só faltou dizer que ia à missa todos os dias. Ao longo de anos, tracei um perfil de quem atua em filme pornô. Algumas pessoas ainda acreditam – pasmem – que atuar em filmes de sexo explícito abrirá as portas de uma carreira na televisão. Outras contentam-se em ganhar a vida. Para os rapazes, pode ser até motivo de orgulho “trabalhar” dessa maneira.
Contam para a família. Muitos pais ufanam-se com a “performance” dos filhos. Para as mulheres, é mais complicado. Fazer sexo explícito é pregar na testa um letreiro que diz: prostituta. É um mundo sombrio.
A maioria dos profissionais do filme pornô afirma que é “uma profissão como outra qualquer”. Não acredito nisso. Simular amor e prazer mexe com os sentimentos e a personalidade. Ninguém sai ileso dessa experiência. Continue lendo...
Eliza usou a única arma que tinha para sobreviver: seu corpo. Quando conheceu Bruno, parecia a chance de sua vida. Teve Bruninho. Não vou negar: ela deve ter infernizado a vida do ex-goleiro do Flamengo com pedidos. Sei de casos, atualmente, em que as garotas de programa filmam, com o celular, o encontro com o executivo. Para depois fazer chantagem. Eis o que quero dizer: Eliza não era santa. Quis usar o filho. Atirou-se no que parecia a única oportunidade de deixar a vida que tinha. Deixo claro: em nenhum momento isso justifica o que aconteceu. Pelo contrário. Tenho duplamente pena de Eliza. Por sua morte, e pelo que viveu.
Mas, o que restava a Eliza? Se sofreu abuso sexual, como tudo indica, onde estavam seus professores, que não notaram diferença no comportamento da menina?
O juiz, que deu a guarda ao pai? E a mãe, Sônia Moura, que se debulhou no julgamento? Como ex-mulher, dona Sônia deveria ter uma boa ideia de quem era o pai de sua filha. Mas Eliza mal via a mãe, quando viva. A quem essa moça podia apelar, onde se hospedar em São Paulo? Tantas moças e moços, como Eliza, só têm a si próprios. Não há uma casa de apoio onde possam morar. Um convento, como nos séculos passados, onde poderiam bater e pedir abrigo. Nada. Enfrentam o mundo sozinhos.
Hoje mesmo, vários jovens solitários no mundo estão sendo postos na rua. Crianças sem pai nem mãe têm direito a permanecer nos abrigos públicos até os 18 anos. Nessa idade, a não ser que haja um projeto específico de algum juiz de menores bem-intencionado, perdem o teto. O que alguém de 18 anos pode fazer? A não ser aceitar a primeira grana que aparece, seja como for?
Há um batalhão de pequenas Elizas vivendo na miséria, abusadas, vendidas por pais e mães, dispostas a qualquer negócio para sobreviver. Desde já, estão condenadas a uma vida sórdida. E nós, onde estamos? O que a sociedade e o Estado brasileiro oferecem em termos de centros de recuperação, casas de apoio? Ou de um acompanhamento psicológico para crianças em escolas públicas, para detectar problemas? Somos todos omissos. Ficamos perplexos diante do escândalo do ex-goleiro Bruno. Eliza logo será esquecida. Mas todos nós, que estamos bem e felizes, temos a ver com a tragédia de sua vida e sua morte.
(*) Escritor, dramaturgo e autor de telenovelas brasileiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário