terça-feira, 5 de março de 2013

Dez anos e “trocentos” júris depois...

Jota Ninos (*) 

Num dia como hoje, há 10 anos, participei do primeiro júri de minha vida já na condição de servidor do Judiciário, recém-concursado e lotado como diretor de secretaria da 6ª Vara Penal de Ananindeua/PA, que era especializada nos crimes contra a vida (homicídio, infanticídio, aborto e induzimento ao suicídio, nas formas tentada e consumada). 

Um ano e meio depois consegui minha transferência para Santarém, através de permuta, e depois de alguns meses lotado no Juizado da Infância e da Adolescência (7ª Vara Cível), acabei sendo relotado para a 6ª Vara Penal, por conta da experiência anterior. 
Voltei a fazer júris e ganhei a confiança de diversos magistrados, a ponto de ser indicado para organizar a recém-criada 10ª Vara Penal de Santarém (em setembro de 2009), especializada como aquela do início de carreira. Perdi a conta de júris em que atuei como secretário, auxiliando mais de uma dezena de magistrados, mas acredito que tenha sido um número próximo de 500 júris! Ainda estou tentando fechar esse levantamento... 

E este artigo foi escrito enquanto acompanhava mais uma sessão de júri em Santarém (que provavelmente se estenderá até altas horas da noite). 
À época do primeiro júri estava prestes a completar duas décadas como jornalista, sem nunca ter feito cobertura jornalística de nenhuma sessão de júri popular, apesar de ter trabalhado por vários anos como repórter policial. 


Era um mundo estranho para mim, e a princípio parecia um grande teatro. Mas aos poucos, fui entendendo a dinâmica processual e me apaixonando pelo trabalho, do qual a maioria dos servidores do Judiciário foge, como o diabo da cruz! 

O grande incômodo de uma sessão do Tribunal do Júri é não saber que hora ele vai acabar, o que causa angústia a todos os que atuam na sessão (do juiz aos jurados, passando pelos representantes da defesa e da acusação e todos os servidores e estagiários). 
Mas entre os procedimentos judiciais existentes, o Júri Popular tem o charme de dar chance à sociedade de participar como principal ator, já que a decisão final será de um grupo de sete jurados, escolhidos entre cidadãos comuns, muitas vezes sem qualquer conhecimento jurídico, que formam seu juízo de valor após ouvir testemunhas, réus e o debate final, muitas vezes acalorado, entre Defesa e Acusação. 

Quem já foi jurado e trabalhou comigo, sabe o que estou dizendo. 
Não existe sensação mais reconfortante do que ajudar a fazer a Justiça, através do voto popular, e ser juiz por um dia. 

Até aquela época a única referência que eu tinha desse mundo dos júris populares era através de cenas de novela que invariavelmente deturpam toda a dinâmica de uma sessão. Mas já tinha assistido o clássico de Hollywood que me fez apaixonar pelo tema: “Doze homens e uma sentença”, filme de 1957, do diretor Sidney Lumet, onde 12 jurados confinados em uma sala decidem sobre o crime cometido por um garoto negro que teria matado seu pai. 

Diferente daqui, nos EUA os jurados ficam confinados e só saem da sala secreta após terem uma decisão unânime. 
O filme retrata exatamente como é possível que determinados estereótipos conduzam a uma decisão errônea dos jurados. A perspicácia de um deles vai desmascarar o intento dos demais. Vale a pena assistir o filme para entender como é difícil julgar. 

E é exatamente essa condição que torna um júri popular instigante, para quem como eu participa de todos os episódios. O privilégio de assistir “de camarote” o desenrolar dos testemunhos e das teses apresentadas, podendo fazer “apostas” de qual será o resultado, é emocionante. Para um jornalista acostumado a perguntar, o exercício de ficar observando é único. 

Estou sempre participando de um processo comunicativo intenso e assistindo cada uma das pessoas desnudando seu caráter, alguns apresentando relatos convincentes da verdade, outros mentindo descaradamente. 
Há também a rapidez no raciocínio de quem acusa ou defende, ao apresentar seu entendimento sobre os fatos, às vezes com métodos menos convencionais. 

A participação nesta tarefa tem prejudicado todas as outras atuações às quais me vinculo em minha vida social, e tem me dificultado até mesmo a função de reportar, como jornalista, alguns dos fatos interessantes. 
Mas como as audiências são públicas, recebi apoio de diversos magistrados no meu ofício, inclusive com liberação da presidência do TJE, para atuar como “assessor de imprensa informal”.

Creio que esse serviço paralelo tem contribuído para uma melhor publicização das audiências. Quem já foi repórter em anos anteriores à época em que eu trabalhava como jornalista, sabe como era difícil fazer esse tipo de cobertura. Mas nem tudo sempre foi feito de rosas. 

Há também os espinhos, quando alguns profissionais da área não conseguem aceitar a atuação dupla como servidor e repórter. 
Até hoje tenho usado da ética nessa cobertura, sem nunca ter sido repreendido por nenhum magistrado. Ao contrário, já tive manifestações públicas quando tentaram cercear o trabalho de divulgação do Judiciário. 

Os magistrados sabem da importância de se lutar pela transparência de suas ações para que esse Poder consiga representar os anseios do cidadão comum. Como espectador privilegiado, ouço e vejo toda a dinâmica dos júris, e tento transmitir a essência da informação, para que cada colega possa retransmiti-la ou aprofundá-la em seus meios de comunicação. 

E como poeta, já até ganhei prêmio, ao me inspirar nos bastidores de um Tribunal do Júri (leia o poema neste link: http://goo.gl/PgDKO). São dez anos, que espero poder reproduzir um dia, ao escrever minhas memórias, relatando inclusive outras nuances dos bastidores que podem nos dar uma maior dimensão do que é respirar um pouco de justiça popular, que remonta à tradição greco-romana... 

(*) Jornalista, escritor e poeta grego-santareno

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