Luiz Caversan (*)
É impossível ser cidadão civilizado. Pelo menos em São Paulo é impossível. Tenta pra ver...
Ontem eu tentei, em vão.
Resolvi não entrar na loucura do trânsito da cidade e passei a dirigir civilizadamente, com cidadania. Impossível.
Não sei se vale para todo o Brasil, mas agora há uma lei, por enquanto apenas em "teste", e que vai entrar em vigor daqui a pouco, segundo a qual será multado o motorista que não respeitar o pedestre que estiver atravessando na faixa.
Sério, é isso mesmo: até agora, conclui-se, pedestre atravessando na faixa de pedestre era apenas uma alegoria, uma aberração, talvez, imagine, eu aqui com meu possante precisando ir em frente e aquela velhinha boçal ali atravessando a rua naquela faixa branca esquisita como se isso fosse a coisa mais normal do mundo?
Ora!
Bem, mas agora é lei e resolvi levar a sério. Em todas as faixas de pedestre que cruzei nos diversos trajetos que percorri diminuí a velocidade e prestei atenção para ver se tinha alguém querendo atravessar. Neste caso, ou quando já havia alguém na faixa, parava para que o pedestre tivesse prioridade.
Pra quê...
Na primeira parada, quase que uma minivan de entrega entrou na minha traseira, desviou rapidamente, praticamente acossou o casal que estava na faixa e ainda me xingou: "Sai da rua seu fdp!"
Nas demais ocasiões, salvo uma ou outra, foi sempre assim: meu ato civilizatório causou espécie, impaciência, espanto, ódio.
Ódio dos demais motoristas que querem mais é que o pedestre exploda. E espanto dos próprios pedestres.
Teve um senhorzinho para o qual eu acenei, buzinei, sinalizei de todas as formas que ele poderia atravessar tranquilamente, mas não teve jeito: ele ficou paradão no meio-fio até que, espiei depois, não tivesse nenhum carro por perto. Ou seja, confiança zero em relação ao motorista. Vai saber a quantidade de vezes que ele quase foi, ou foi mesmo, atropelado.
Mas a ignorância, embora seja predominante entre os motoristas, como a senhora elegante em sua mega-caminhonete que parou exatamente sobre a faixa e ficou falando no celular enquanto as pessoas davam a volta no veículo, a falta de civilidade grassa também entre os pedestres. Que em bando ou individualmente cruzam ruas e avenidas ignorando totalmente qualquer risco.
No meu périplo pela cidade, flagrei um grupo que atravessava bem debaixo da passarela (de pedestres!) em frente o Hospital das Clínicas, na arqui-movimentada avenida Rebouças, uma das mais agitadas de São Paulo. Uma senhorinha cheia de sacolas quase foi atingida por uma moto (bem, destas nem vou falar...) e por pouco não foi parar no pronto-socorro mais famoso da cidade. Logo depois, um grupo que cruzou a rua da Consolação a poucos metros da faixa também por pouco não ficou embaixo de um ônibus. Rindo, todos xingaram os motorista do coletivo e seguiram em frente como se nada tivesse acontecido.
Sim, é impossível ser civilizado e achar que não se deve atravessar fora da faixa, que se deve dar prioridade ao pedestre, que não se pode falar alto ao celular em elevadores, coletivos ou locais públicos, que os mais velhos devem entrar na frente nestes mesmos elevadores, coletivos ou seja lá onde for. Que o lixo deve ir para o lixo, que o cocô do cachorro deve ser recolhido, que fila é para ser respeitada, que...
Enfim, fala-se tanto em salvar o planeta e nos encantos da globalização cibernética, enquanto no dia-a-dia continuamos vivendo na idade da pedra.
(*) Jornalista , produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa da Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário