segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Revolucionários


Luiz Fernando Veríssimo

Quando Miles Davis chegou a Nova York a revolução do be-bop já estava amainando. Os grande trompetistas da era tinham sido Dizzy Gillespie e Fats Navarro.
Miles ainda pegou o finzinho do movimento. Gravou com Charlie Parker e outros grandes do bop, mas nunca foi identificado com o estilo como foram Gillespie e Navarro.
Mas a revolução seguinte foi ele que liderou. Reuniu um noneto para tocar arranjos de Gil Evans, Gerry Mulligan, John Cariis e outros que exploravam sonoridades novas num estilo mais frio do que o be-bop, com ênfase mais no conjunto do que no solista.
O disco produzido pelo noneto foi chamado, apropriadamente, de “Birth of the Cool”, porque inaugurou o que depois viria a ser chamado de “cool jazz” e foi modelo para o jazz da Califórnia, que se distinguiu do jazz de Nova York, entre outras coisas, por ser, além de mais frio do que quente, mais branco do que negro.
Mas o próprio Miles liderou a contra-revolução. Não seguiu a sua invenção, o “cool jazz”, para a Costa Oeste, ficou em Nova York e foi um dos lançadores do “hard bop”, uma volta ao quente, centrado nos solistas.
O que não o impediu de gravar alguns discos históricos como “Miles ahead”, “Sketches of Spain” e “Porgy and Bess” em que os arranjos do Gil Evans eram tão importantes quanto os seus solos. Depois foi histórico de novo com seu famoso disco “Kind of blue” lançando o chamado jazz “modal”, que dava uma liberdade maior aos solistas.
E no fim ainda fez outra revolução, vestindo túnicas coloridas e aderindo à fusão do jazz com o rock. Há uma personalidade na música brasileira comparável ao Miles na capacidade de inaugurar épocas, mesmo que em escala menor.
Elizete Cardoso era a grande dama da canção nacional, nossa melhor sambista, mas não exatamente a escolha natural para gravar um LP como “Canção do amor demais”, com músicas do Tom Jobim e do Vinicius, com a batida do violão do João Gilberto inventando a bossa nova atrás dela. Mas o disco é memorável, entre todas as outras razões históricas, pela interpretação, que nenhuma cantora mais moderna igualaria, da Elizete.
Depois de ajudar a lançar a bossa-nova, ela lançou “Elizete sobe o morro”, o disco que resgatou gente como Cartola, Ze Kéti e Nelson Cavaquinho e começou uma época de revalorização do samba tradicional.
E até hoje não se sabe — ou eu, pelo menos, não sei — se a Elizete subiu o morro no mesmo espírito com que o Miles voltou ao “hard bop” depois de inaugurar o “cool”.
Enfim, coisas de revolucionários.


Nenhum comentário:

Postar um comentário