Helenilson Pontes (*)
A obrigação tributária submete-se ao regime jurídico de direito público, ou seja, desde o seu nascimento até a sua extinção pelo pagamento da prestação (tributo) a ela se aplica o conjunto de direitos e garantias constitucionais que protegem o cidadão e impõem limites formais, materiais e procedimentais à atuação do Estado.
Esta observação, preliminar para quem se ocupa de matéria jurídica, deve sempre ser relembrada, sobretudo nos tempos atuais onde se observa uma tentativa de privatização da relação tributária mediante a sua sutil submissão a regras aplicáveis às demais relações creditícias instauradas sob a disciplina do direito privado.
A obrigação tributária guarda similitude apenas estrutural com a obrigação de direito privado, a saber, aquela proveniente de contrato ou título de crédito. Para aferir a validade de uma obrigação tributária o elemento vontade (do Fisco ou do contribuinte) é absolutamente irrelevante, ao contrário do que ocorre no direito privado onde os direitos e deveres nascem a partir da manifestação da vontade das partes.
Um dos aspectos centrais da relação tributária é que ela possui natureza procedimental, isto é, realiza-se segundo uma séria ordenada e regulada de atos tendentes a um fim. O primeiro ato deste procedimento normalmente é o ato de imposição revelado na intimação do contribuinte quanto à existência de uma dívida fiscal (auto de infração).
Ocorre que este ato inicial pode ser contestado pelo contribuinte, primeiramente dentro de um processo administrativo e depois no bojo de um processo judicial, ambos conduzidos pelo próprio Estado (Estado-administração ou Estado-juiz). Como este debate sobre a validade da exigência fiscal nunca teve prazo definido para terminar, a Fazenda Pública sempre cobrou juros incidentes sobre o débito por ela mesmo constituído, remunerando-se pela própria demora em cumprir o seu dever de prestar um serviço público célere e eficiente.
No plano federal, a Lei 11.457, de 16 de março de 2007 (art. 24), estabelece a obrigatoriedade que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta dias) a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte. É de se perguntar: qual a conseqüência jurídica do descumprimento deste dever pela Administração Pública?
Considerando que esta norma impõe ao Poder Público o dever de concluir o procedimento decisório no prazo estipulado e que o lançamento tributário tem a natureza jurídica de um procedimento administrativo (art. 142 do Código Tributário Nacional), é razoável sustentar a nulidade deste procedimento quando desatendido o prazo legal para a prolação da decisão administrativa relativa ao questionamento pelo contribuinte da validade da exigência tributária contra ele lavrada.
Como o tributo nasce como resultado de um procedimento de lançamento, vícios de legalidade neste procedimento, como o desatendimento ao dever de decidir dentro de certo prezo previsto no art. 24 da Lei 11.457/07, comprometem a própria validade do tributo lançado.
Caso assim não se entenda, outra possibilidade normativa aberta pela referida norma é de, pelo menos, impedir que o Fisco continue a se beneficiar da própria ineficiência administrativa cobrando juros de mora durante o curso do processo administrativo, cujo dever de condução é seu, mesmo quando não cumpre o dever legal de decidi-lo no prazo de trezentos e sessenta dias.
Se o Poder Público falha ao não cumprir o dever que lhe impõe a lei de decidir em determinado prazo as petições e recursos apresentados pelos contribuintes, alguma conseqüência deve sofrer, seja no plano da própria validade da exigência tributária (com a pronúncia de nulidade do seu procedimento de constituição), seja no plano dos acréscimos moratórios, impedindo-se a Fazenda Pública de beneficiar-se com o auferimento de juros durante o período que supera aquele estabelecido pela lei para a conclusão do procedimento administrativo.
A norma do art. 24 da Lei 11.457/07 veio tão-somente concretizar o direito do cidadão a razoável duração do processo, judicial ou administrativo, conforme garantido pela Emenda Constitucional 45/2004.
(*) Livre Docente em Legislação Tributária e Doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo/SP
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