quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Literalmente é a casa da maria-joana

Sem controle, governo assume R$ 95 mi em contas privadas da Rio-2016 

UOL ESPORTE 

Governo e o Comitê Organizador da Rio-2016 divulgaram no final do mês passado a primeira versão de seus orçamentos para a Olimpíada. Ainda assim, não definiram completamente o que será pago com dinheiro público e o que será custeado com recurso privado para que o Rio de Janeiro possa receber os Jogos Olímpicos daqui a dois anos e meio. 

Acontece que, enquanto essa divisão não é feita, o Poder Público vem assumindo contas que não eram suas. E essas contas não são pequenas. Segundo levantamento do UOL Esporte, governos vão gastar pelo menos R$ 95 milhões para pagar a parte de quatro arenas esportivas que o Comitê Organizador da Rio-2016 havia prometido bancar em 2008, quando o Rio se candidatou à sede dos Jogos. 

Esse valor é a soma das contribuições financeiras que seriam feitas pelo comitê –entidade privada—para as obras das arenas de handebol, tênis, do centro de desportos aquáticos e do novo velódromo do Rio. Juntas, elas custariam R$ 430 milhões. 
Disso, R$ 95 milhões seriam pagos com dinheiro do comitê, segundo o dossiê de candidatura do Rio apresentado ao COI (Comitê Olímpico Internacional) há seis anos. 

Hoje, porém, já não é mais assim. O uso de recursos do comitê já não faz mais parte do plano de pagamento das obras dessas quatro arenas olímpicas, que atualmente estão orçadas em R$ 692 milhões (valor inclui taxa de manutenção). 
Por isso, o que seria pago pelo órgão privado foi incorporado à fatura que será quitada pelo governo. 
Tudo isso, aliás, foi feito sem nenhum controle sobre a transferência de responsabilidades olímpicas. 


As obras das arenas citadas já foram objeto de licitações realizadas pela EOM (Empresa Olímpica Municipal do Rio de Janeiro). O órgão é quem fez os projetos dos equipamentos e quem vai executar as construções. Procurada pelo UOL Esporte, a EOM confirmou que os projetos licitados incluem ao menos parte daquilo que seria pago pelo comitê. 
No entanto, não precisou o valor do que foi assumido pelo Poder Público. 

O Ministério do Esporte, por sua vez, é quem passa o dinheiro à EOM para o pagamento dessas arenas. O órgão também foi procurado pelo UOL para se posicionar sobre o valor total das contas do Comitê Organizador Rio-2016 assumidas pelo Poder Público. 
O pedido de informações foi feito na quarta-feira passada. 
O ministério disse que responderia na sexta-feira. 
Depois, informou que se pronunciaria na segunda-feira. Não respondeu.

Entenda a conta 
No dossiê de candidatura do Rio à sede da Olimpíada de 2016, o comitê responsável pela candidatura dividiu o orçamento das obras em duas partes. As construções permanentes, que poderiam ficar de legado após os Jogos, ficaram sob a responsabilidade de governos. Já estruturas provisórias ou complementares, sob a responsabilidade do comitê organizador. 

Foi assim, por exemplo, que foi elaborada a estimativa de custo da arena de tênis da Olimpíada. Em 2008, foi informado no dossiê que ela custaria R$ 125,6 milhões. 
Disso, R$ 92,2 milhões seriam referentes a obras permanentes, pagas pelo governo, e R$ 33,2 milhões seriam estruturas complementares, pagas pelo comitê organizador. 

De 2008 para cá, o projeto da construção dessa mesma arena passou por modificações. Todas elas foram acertas por governo, comitê organizador e COI. 
Levando em conta essas mudanças e também o aumento natural do custo da obra causado pela inflação, em 2013, foi definido um novo orçamento para a arena: R$ 175,4 milhões (incluindo sua manutenção). 

Acontece que nesse novo orçamento não há previsão de qualquer aporte do comitê organizador. A EOM informou que parte das estruturas complementares que inicialmente seriam pagas pelo comitê acabaram sendo incluídas no projeto licitado. 
Até agora, entretanto, não foi feita uma conta de quanto essas estruturas custariam. 
Ou seja, de quanto o governo vai pagar da conta que era do comitê. 

Se essas estruturas custassem exatamente o mesmo que o previsto no dossiê de 2008, o cálculo apontaria R$ 33,2 milhões --valor incluído no levantamento feito no UOL Esporte. Entretanto, vale ressaltar que o custo total das obras aumentou consideravelmente de 2008 até 2014. Esse aumento não foi considerado no cálculo por causa da falta de dados sobre as construções. 

Também não foi considerado que o orçamento atual ainda pode mudar, já que as obras ainda estão começando. A EOM também informou que ao menos uma pequena parte das arenas será paga pelo comitê organizador. Como o órgão nem o comitê informaram quanto essa parte custará, ela não foi contabilizada. 

Polêmica na divisão de gastos 
A divisão entre gastos públicos e privados é uma das maiores polêmicas sobre o custo da Olimpíada de 2016. No dossiê de candidatura do Rio à sede dos Jogos, essa divisão havia sido feita. O governo assumiu gastos de R$ 23,2 bilhões. Já o Comitê Organizador ficou encarregado de gastar R$ 5,6 bilhões com os Jogos. 

Desses R$ 5,6 bilhões, entretanto, R$ 1,4 bilhão viria de "subsídios" que governos dariam ao órgão. Ou seja, parte do dinheiro que o comitê usaria para pagar suas contas também teria origem nos cofres públicos. 

No final do mês de janeiro, o Comitê Organizador Rio-2016 divulgou seu primeiro orçamento e atualizou dados financeiros contidos no dossiê de candidatura. 
Segundo o orçamento, o comitê passou a ser responsável por R$ 7 bilhões do custo total da Olimpíada. O órgão ainda anunciou que abrira mão dos subsídios estatais. 

Não abrira mão, no entanto, da ajuda estatal. Após discussões orçamentárias, o governo resolveu englobar na sua parte da conta olímpica os R$ 1,4 bilhão que daria ao comitê em forma de subsídios. Assim, em vez de o governo passar recursos a uma entidade privada para que ela pague suas contas, ele resolveu pagar por conta própria essas contas. 

Internamente, tanto o comitê organizador quanto o governo ainda consideram que cerca de R$ 1,4 bilhão (desconsideradas correções monetárias) é o valor total das responsabilidades que a parte olímpica privada pode transferir para conta pública. 
Esse era o valor previsto no dossiê de candidatura do Rio. 

O próprio presidente da Autoridade Pública Olímpica (APO), general Fernando Azevedo e Silva, admitiu a possibilidade de transferência de responsabilidades quando o Poder Público divulgou, também no fim de janeiro, seu primeiro orçamento olímpico. 
No entanto, Azevedo e Silva não citou valores nem quais exatamente seriam as responsabilidades que seriam transferidas para governos. 

A falta de uma definição sobre o papel de cada ente na organização da Olimpíada chegou a causar mal estar em entrevistas coletivas realizadas após o anúncio das contas olímpicas. Autoridades e organizadores negaram-se a dar detalhes sobre o assunto a jornalistas, que se irritaram. Tanto o Comitê Organizador quanto a APO, que centraliza informações sobre investimentos públicos nos Jogos, prometeram ser transparentes com relação às transferências de responsabilidades. 

Procurada pelo UOL Esporte para comentar as contas das quatro arenas já licitadas, a APO ratificou que o Poder Público pode sim assumir parte das contas do comitê. 
No entanto, declarou que não há definições sobre o assunto. 

Já o Comitê Organizador Rio-2016 disse que trabalha, junto com o governo, numa metodologia para aferir o valor de suas responsabilidades transferidas ao Poder Público. 
O órgão ressaltou que seu orçamento é equilibrado e que não necessitará de ajuda de recursos públicos para arcar com as obrigações contidas no orçamento apresentado neste ano.

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