domingo, 9 de fevereiro de 2014

É o calor !!!!

Luis Fernando Veríssimo (*) 

‘Alguém tem que assumir a culpa, minha filha! Sensação térmica de 51 graus, alguém tem que ser responsável’ 

Pode acontecer. A moça do tempo na TV entra no bar com um grupo de amigos. 
É recebida com óbvio desconforto pelos frequentadores do bar. 
Ouve-se um zum-zum-zum de desaprovação à sua presença. 

O grupo da moça ocupa uma mesa. 
Depois de algum tempo, um homem da mesa ao lado não se contém e pergunta: 

 — Você não é a moça do tempo, na TV? 
 A moça diz que é, sorrindo, mas o homem não sorri. 
Pergunta: 
 — Até quando vai esse calor? 
— Pois é — diz a moça, ainda sorrindo. 
— Está difícil de prever. Tem uma zona de pressão na... 
— Não — interrompe o homem. 
— Não me venha com zona de pressão. Chega de enrolação. 

 Uma mulher de outra mesa se manifesta: 
 — Há dias que você põe a culpa pelo calor nessa zona de pressão. E não toma providências. 
— Minha senhora, eu... 

Outros começam a gritar. 
 — Sensação térmica de 51 graus. Onde já se viu isso? 
— Não dá mais para aguentar! 
— Faça alguma coisa! 

A moça do tempo na TV agora está em pânico. 
— O que eu posso fazer? Eu só descrevo o tempo. Não tenho o poder de... 
— Alguém tem que assumir a culpa, minha filha! Sensação térmica de 51 graus, alguém tem que ser responsável. 

— A culpa é da Natureza! 
— Rá. Natureza. Muito bonito. Muito conveniente. É como culpar a corrupção pela índole do brasileiro. Aqui ninguém tem culpa de ser corrupto, é a índole. A índole do tempo, num país tropical, é essa. E quem pode reclamar da índole? Ou da Natureza? De você nós podemos reclamar, querida. 

— Mas a culpa não é minha! 
— Estamos cansados do seu distanciamento enquanto mostra no mapa que o calor só vai aumentar. Seu ar superior, como se não tivesse nada a ver com aquilo. Chega! 

A mesa da moça do tempo na TV está cercada. Caras raivosas. Ameaça de violência. 
A moça do tempo na TV se ergue e grita: 
— Esta bem! Está bem! Amanhã eu faço chegar uma frente fria. Eu prometo! 

As pessoas se acalmam. Todos voltam para as suas mesas. 
O garçom vem tirar o pedido do grupo da moça do tempo na TV e tenta explicar: 
— É o calor... O pessoal fica meio louco. 

(*) É escritor.

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