Vamos lá, jornalistas e veículos de comunicação, ao velório de Santiago Andrade jogar alguns punhados de terra na liberdade de imprensa
Reinaldo de Azevedo (*)
Quando o corpo físico se despedir de Santiago Andrade, como já se despediu a sua alma, vamos lá, coleguinhas jornalistas, a seu velório.
Vamos homenageá-lo, mas vamos também jogar alguns punhados de terra na liberdade de imprensa.
A verdade é que, como categoria, com uma exceção ou outra, assistimos inermes à progressiva degradação da nossa profissão.
Nós, jornalistas, aceitamos nos esconder nas manifestações.
E o nosso sindicato, esse aparelho asqueroso a serviço do PT, não disse nada.
Nós, jornalistas, aceitamos trabalhar clandestinamente para não apanhar de vândalos, de fascistoides, de vagabundos mascarados.
Nós, jornalistas, ficamos com medo das redes sociais e, num movimento de manada, elegemos como inimigo principal a polícia.
Mais de uma vez escrevemos e falamos que o quebra-quebra era reação à ação policial, quando nós sabíamos que se tratava do contrário.
Nós, jornalistas, chamamos bandidos que não mostram a cara na democracia, de estetas. Nós, jornalistas, vimos um repórter fotográfico que testemunhara a tragédia havida com Santiago conceder uma entrevista ao Jornal Nacional sem coragem de mostrar a cara, de dizer o seu nome.
E não nos demos conta de que ali estava a volta da censura.
Nós, jornalistas, vimos a sequência de fotos que explicitava o que tinha acontecido ser assinada pela “Agência Globo” — não pelo autor da fotografia.
Porque, nestes dias, os jornalistas têm medo.
Boa parte das empresas de comunicação também pode ir lá jogar o seu respectivo punhado de terra.
Desde junho, chamam de “pacíficas” pessoas que sapateiam sobre o teto do Congresso com tochas acesas nas mãos; que incendiam o Palácio do Itamaraty; que depredam o metrô de São Paulo; que saem quebrando tudo Avenida Paulista afora.
Se os jornalistas não querem “ficar mal” nas redes sociais, esses setores da imprensa a que me refiro não têm sido menos covardes.
Abrem mão de pautar o debate, segundo os fundamentos da democracia e do estado de direito, e se deixam pautar por milicianos.
Alguns veículos ainda confundem o novo com o bom, esquecendo-se de que certas seguranças e garantia são boas justamente porque são antigas, porque constituem um fundamento da civilidade — e a liberdade de que dispõe um jornalista para trabalhar é uma dessas antiguidades que têm de ser preservadas.
Santiago Andrade foi assassinado por seus algozes, sim.
Mas aqueles que silenciaram diante da violência crescente contra os jornalistas — que tiveram de se esconder — ajudaram a preparar esse velório.
Aí grita o cretino fundamental, cheio de má-fé disfarçada de inocência:
“Não foi um ataque à imprensa; Santiago Andrade foi ferido por acidente”.
Errado.
O único acidente aí, se é que foi assim, foi ele ter sido morto por acidente.
Jornalistas só não morreram antes, reitero, porque estavam escondidos em meio à multidão, obrigados a trabalhar sem se identificar.
Os jornalistas que silenciaram diante da progressiva perda de liberdade passarão a ter vergonha na cara depois dessa?
As empresas de comunicação que se calaram diante da barbárie passarão a ter vergonha na cara depois dessa?
De associações de classe que são meros esbirros de um partido político, como sindicatos e a Fenaj, não cobrarei vergonha na cara.
Eu cobro as coisas possíveis.
A morte de Santiago Andrade é o maior atentado cometido contra a liberdade de imprensa desde a redemocratização do Brasil.
Infelizmente, jornalistas e empresas de comunicação enfeitaram essa tragédia com o seu silêncio cúmplice.
Infelizmente, uns e outros estão mais preocupados com “o que vão dizer de nós” do que com “o que nós temos a dizer a eles”.
(*) Jornalista é colunista do jornal Folha de São Paulo e da Revista Veja
Reinaldo de Azevedo (*)
Quando o corpo físico se despedir de Santiago Andrade, como já se despediu a sua alma, vamos lá, coleguinhas jornalistas, a seu velório.
Vamos homenageá-lo, mas vamos também jogar alguns punhados de terra na liberdade de imprensa.
A verdade é que, como categoria, com uma exceção ou outra, assistimos inermes à progressiva degradação da nossa profissão.
Nós, jornalistas, aceitamos nos esconder nas manifestações.
E o nosso sindicato, esse aparelho asqueroso a serviço do PT, não disse nada.
Nós, jornalistas, aceitamos trabalhar clandestinamente para não apanhar de vândalos, de fascistoides, de vagabundos mascarados.
Nós, jornalistas, ficamos com medo das redes sociais e, num movimento de manada, elegemos como inimigo principal a polícia.
Mais de uma vez escrevemos e falamos que o quebra-quebra era reação à ação policial, quando nós sabíamos que se tratava do contrário.
Nós, jornalistas, chamamos bandidos que não mostram a cara na democracia, de estetas. Nós, jornalistas, vimos um repórter fotográfico que testemunhara a tragédia havida com Santiago conceder uma entrevista ao Jornal Nacional sem coragem de mostrar a cara, de dizer o seu nome.
E não nos demos conta de que ali estava a volta da censura.
Nós, jornalistas, vimos a sequência de fotos que explicitava o que tinha acontecido ser assinada pela “Agência Globo” — não pelo autor da fotografia.
Porque, nestes dias, os jornalistas têm medo.
Boa parte das empresas de comunicação também pode ir lá jogar o seu respectivo punhado de terra.
Desde junho, chamam de “pacíficas” pessoas que sapateiam sobre o teto do Congresso com tochas acesas nas mãos; que incendiam o Palácio do Itamaraty; que depredam o metrô de São Paulo; que saem quebrando tudo Avenida Paulista afora.
Se os jornalistas não querem “ficar mal” nas redes sociais, esses setores da imprensa a que me refiro não têm sido menos covardes.
Abrem mão de pautar o debate, segundo os fundamentos da democracia e do estado de direito, e se deixam pautar por milicianos.
Alguns veículos ainda confundem o novo com o bom, esquecendo-se de que certas seguranças e garantia são boas justamente porque são antigas, porque constituem um fundamento da civilidade — e a liberdade de que dispõe um jornalista para trabalhar é uma dessas antiguidades que têm de ser preservadas.
Santiago Andrade foi assassinado por seus algozes, sim.
Mas aqueles que silenciaram diante da violência crescente contra os jornalistas — que tiveram de se esconder — ajudaram a preparar esse velório.
Aí grita o cretino fundamental, cheio de má-fé disfarçada de inocência:
“Não foi um ataque à imprensa; Santiago Andrade foi ferido por acidente”.
Errado.
O único acidente aí, se é que foi assim, foi ele ter sido morto por acidente.
Jornalistas só não morreram antes, reitero, porque estavam escondidos em meio à multidão, obrigados a trabalhar sem se identificar.
Os jornalistas que silenciaram diante da progressiva perda de liberdade passarão a ter vergonha na cara depois dessa?
As empresas de comunicação que se calaram diante da barbárie passarão a ter vergonha na cara depois dessa?
De associações de classe que são meros esbirros de um partido político, como sindicatos e a Fenaj, não cobrarei vergonha na cara.
Eu cobro as coisas possíveis.
A morte de Santiago Andrade é o maior atentado cometido contra a liberdade de imprensa desde a redemocratização do Brasil.
Infelizmente, jornalistas e empresas de comunicação enfeitaram essa tragédia com o seu silêncio cúmplice.
Infelizmente, uns e outros estão mais preocupados com “o que vão dizer de nós” do que com “o que nós temos a dizer a eles”.
(*) Jornalista é colunista do jornal Folha de São Paulo e da Revista Veja
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