terça-feira, 5 de julho de 2011

Tempos que não voltam mais

Antenor Pereira Giovannini (*)

Como qualquer telespectador impaciente, me pego num domingo desses a, literalmente, “metralhar” a televisão com o controle remoto à procura de algo para assistir. Antes de qualquer coisa, tenho que agradecer a Deus a chance de poder pagar uma televisão de circuito fechado, porque agüentar televisão de circuito aberto aos domingos é simplesmente incogitável, tal a quantidade de porcaria que é exibida nos dias de hoje.

Mas, voltando a minha impaciência, eis que me deparo com um determinado canal que anuncia o inicio da exibição de um filme dos anos 60. O anuncio me trouxe um sopro de esperança e uma forte expectativa. Aguardei para ver se o anúncio correspondia ao que eu pensava. E era exatamente o que eu imaginei.

Já que isto é quase um desabafo, vou confessar que foi só começar a assistir aquele filme para que as lágrimas me pegassem de surpresa. Pura saudade de um tempo que não volta mais. Como mágica me transportei para minha adolescência, na sala da minha casa, junto com meu amado e já falecido pai Leontino e, na maioria das vezes, com minha mamãe Lourdes (velhinha, mas, ainda viva), para assistir Bonanza. Esse era um dos filmes de especial predileção do meu papai, a começar pela música de introdução, uma balada ritmada sugerindo um tropel de cavalos. A saga da família Cartwrights, liderada pelo pai Ben (Lorne Greene) e seus filhos Adam (Pernell Roberts), Hoss (Dan Blocker) e Litlle Joe (Michael Landon) em defesa da fazenda Ponderosa, assim como da justiça, da honra e dos menos favorecidos, trazia a cada semana 60 minutos de bom entretenimento. E, porque não dizer, de sonho, de reflexão, de humanidade. Todos os atores da série que protagonizaram a série já não estão entre nós. O ator Pernell Roberts (Adam) foi o último a partir enquanto o grandalhão Ross foi o primeiro, no auge de seus 44 anos de idade.

Em meio a toda essa emoção, muita saudade e lembranças incontáveis, assisti ao filme e, quase que automaticamente, a memória começou a buscar a programação dessa televisão que não existe mais. Alguns filmes classificados como água com açúcar, musicais, tele-teatro, programas de auditórios enfim, comecei a me perguntar por que não se faz mais programas dessa natureza, capazes de proporcionar entretenimento leve, descontraído.

Afinal, a televisão se encontra nas casas de 95% da população brasileira. Mas o passo seguinte foi começar a refletir sobre a importância que a televisão poderia ter enquanto fonte de ensinamento e aculturação. Nesse processo de varrição de memória, voltam à telinha da minha lembrança os programas que fizeram parte da minha geração e que, se não podem ser tidos como superproduções, faziam muito mais pelo tele-espectador que o que se vê hoje por aí. Os filmes eram Lassie, RinTinTin, Bat Masterson, Os Intocáveis, Hawai 5.0, Perdidos no Espaço, Os Watsons, Agente 86, Zorro (americano com o indio Tonto e o cavalo Silver) e o Zorro (mexicano de capa e espada com Sargento Garcia), Papai Sabe Tudo e tantos outros Os grandes programas nacionais, de auditório ou não eram Família Trapo (Golias/Zeloni/Jô Soares), Circo do Arrelia e Pimentinha, A Praça da Alegria, Clube dos Artistas, Sitio do Pica-Pau Amarelo, Repórter Esso, Grandes Espetáculos União (com Blota Júnior), O Céu é o Limite (J. Silvestre), Noite de Gala (Flavio Cavalcanti), Chacrinha, Um Instante Maestro (Flávio Cavalcanti), Troféu Roquete Pinto - aos melhores do ano (valia apostas) – Programa Silvio Santos – Jovem Guarda, Os festivais de MPB da TV Record, o Fino, Bossaudade e tantos outros.

No que essa televisão antiga difere da televisão atual? Em tudo, acredito eu. Se a tecnologia avançou de maneira inimaginável, a qualidade parece ter sido simplesmente descartada dentre os requisitos para se fazer televisão. O grande comandante do setor é o todo poderoso IBOPE ou coisa que o valha. Em nome da audiência, coloca-se no ar qualquer coisa, sem qualquer limite ou prurido de ordem cultural, estética ou ate mesmo moral. Apenas para citar exemplos gritantes, o que dizer de um certo “Big Brother”, formato de programa que não ultrapassou cinco ou seis edições no continente de origem, a Europa e entre nós já está no segundo dígito. E continua a entusiasmar o público de forma absolutamente entorpecedora. A televisão talvez seja hoje, o veículo de comunicação mais poderoso de que se tem noticia. Basta observar como ela é capaz de influenciar nos costumes, ditar modismos, formas de falar, expressões de gíria e convicções. Lá pelos anos noventa, uma emissora de televisão conseguir modificar o resultado de uma eleição a presidente da república apenas editando segundo suas conveniências, um debate entre candidatos quase às vésperas do dia do pleito. Convenhamos, não é pouca coisa. E o que mais impressiona é o fato de que, quando se dispõe, os resultados são positivos. Em uma das novelas que arrebata o público de todas as classes, locais e idades, uma personagem tetraplégica conseguiu sensibilizar as pessoas a ponto de eu mesmo ter presenciado comentários de pessoas em pleno ponto de ônibus auxiliando alguém a subir no ônibus, tudo regado a alusões à novela.

O retorno à sala da casa da minha adolescência, o resgate do calor paterno e materno são valores a que não renuncio. E talvez tenha sido exatamente a energia familiar que me impregnou pela vida toda quem me levou às reflexões sobre o que poderia ser o papel da televisão no processo de amadurecimento cultural e social deste triste país. Mas, “Big Brother” deve dar muito mais IBOPE. E o IBOPE é o alimento para que esse “grande irmão” chamado televisão continue a disposição e a serviço dos piores patrões e senhores.

(*) Aposentado, agora comerciante e morador em Santarém (PA)

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