Opinião do Estadão
Um dos grandes desafios do desenvolvimento brasileiro é como conciliar o avanço de sua produção agropecuária com a preservação do meio ambiente. Não se trata apenas do dever de proteger a Amazônia, mas de evitar que outros biomas, como o Cerrado, venham a ser devastados pelo desmatamento indiscriminado. O recente estudo Indicadores do Desenvolvimento do IBGE diz sem meias palavras que, a não ser que sejam tomadas "medidas urgentes para proteção", o bioma do Cerrado, rico em biodiversidade e que concentra nascentes de grandes bacias hidrográficas do País, corre o risco de desaparecer "em pouco tempo".
O alerta coincide com a publicação de uma reportagem na revista britânica The Economist (2/9), com o título de O milagre do Cerrado, onde são elogiados os resultados obtidos pelo modelo brasileiro de ampliação da produção agropecuária naquela região, praticamente sem subsídios do governo. Esse avanço, diz a revista, não é vital apenas para o Brasil, que deixou de ser importador para se tornar um grande exportador de alimentos, mas de grande importância para possibilitar o atendimento da demanda mundial. O Brasil é hoje um dos celeiros do mundo e se espera que continue a expandir a produção agropecuária no futuro. São citados dados da FAO, segundo os quais a produção de grãos tem de crescer 50% e a de carne duplicar para atender ao aumento da população mundial em 2050.
O desenvolvimento da agropecuária no Cerrado, que representa 20% do território nacional, abrangendo 15 Estados e o Distrito Federal, merece, realmente, figurar entre as grandes conquistas nas últimas décadas. Dessa região, desprezada até a década de 1970 pela sua baixa fertilidade, hoje provêm 59% da produção nacional de soja, 26% da de milho, 18% da de arroz, 48% da de café e 70% da de carne bovina, segundo a Embrapa.
Essa transformação foi possível graças à aplicação de técnicas de correção e adubo do solo, bem como da irrigação. O desenvolvimento de variedades adaptáveis ao clima tropical e o plantio de transgênicos, mais resistentes a pragas, também deram uma contribuição fundamental para a expansão da fronteira agrícola. Ganhos de produtividade têm sido mais expressivos na agricultura, mas também já se fazem sentir na pecuária.
O apoio técnico do governo por meio da Embrapa foi e continua sendo essencial, mas as autoridades sempre tenderam a considerar o Cerrado como uma região de vale-tudo sob o ponto de vista do meio ambiente. Como comprova o IBGE, faltaram cuidados especiais, que agora se tornam indispensáveis. A cobertura vegetal do Cerrado foi reduzida à metade e apenas 3,2% da área total do bioma é protegida por unidades federais de conservação, sendo 2,2% de proteção integral. Além disso, o Cerrado - a savana com a maior biodiversidade do mundo - tem 131 espécies de plantas e 99 de animais sob ameaça de extinção.
Se na Amazônia existe um sistema de monitoramento e fiscalização, que, apesar das falhas, vem contendo a taxa de desmatamento, não é isso o que ocorre no Cerrado. A devastação diminuiu no Sudeste, mas aumenta no Norte e Nordeste. Quando o potencial da agropecuária no Cerrado era subestimado, a derrubada de árvores ocorria para a produção de carvão para a siderurgia, atividade que persiste, apesar da implantação de florestas plantadas. Muito piores têm sido as queimadas para abrir pastos para o gado e campos para a lavoura. São frequentemente ignoradas as normas que exigem a reserva de uma parcela das propriedades em estado natural e a proteção das matas ciliares.
Os técnicos recomendam um aumento substancial das unidades federais de preservação, tendo o IBGE identificado por satélite zonas remanescentes nas fronteiras agrícolas. Como boa parte da produção do Cerrado provém de empresas do agronegócio, não deve ser difícil um entendimento do Ibama com o setor em nome da sustentabilidade. Afinal, o que se deseja não é acabar com o desenvolvimento agropecuário no Cerrado, mas discipliná-lo, de modo a proteger o ecossistema, do qual tanta coisa depende, como, por exemplo, as nascentes dos rios, a manutenção do seu fluxo e o regime de chuvas.
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