Bellini Tavares de Lima Neto (*)
Feijoada, cervejinha gelada, futebol, carnaval são algumas das coisas que mais atraem o brasileiro. Tem muito mais, é claro, mas essas quatro poderiam perfeitamente ser utilizadas como uma espécie de símbolo, os ícones verde-amarelos.
No entanto e pensando bem, seria mais do que natural incluir, nessa listinha, uma outra coisa que brasileiro parece adorar: leis. Pode ser que, em alguma outra parte do mundo haja um povo que goste tanto assim de leis, mas duvido que haja algum outro que goste mais. Tudo por aqui se resolve com uma lei. Faltou comida? Precisa de uma lei que resolva isso e obrigue o governo a distribuir comida a quem tem fome. Criança não quer ir a escola? Está faltando uma lei que obrigue os pais a mandar a criançada para a escola. As meninas andam engravidando fora do combinado? É só criar uma lei para distribuir preservativos. Ainda recentemente se editou uma lei para proibir palmadas no traseiro dos pirralhos. Houve um tempo em que havia, em algumas repartições públicas, uma exigência de natureza legal relativa à prova de vida. É até razoável que se exija algo assim, mas não do próprio vivente, não é? Mas, não faltou quem tivesse tido que provar que estava vivo, mesmo de corpo presente. É claro que isso já é um exagero, mas é só uma forma um tanto extremada de tentar chamar a atenção para esse curioso apego ao instituto da lei. Por estas bandas parece se acreditar que tudo se resolve com a promulgação de uma lei. Assim, a lei acaba se confundindo com um instrumento mágico, algum tipo de amuleto com poderes sobrenaturais como varinha de condão ou pé de coelho.
O curioso é que, apesar desse quase fascínio pelos institutos legais, se há alguma coisa que o brasileiro não se preocupa é, exatamente, cumprir a lei.
E isso vem de longe.
Já nos idos das décadas de trinta e quarenta, quando o Brasil esteve sob as bênçãos de um dos vários pais-da- pátria que, de tempos em tempos, renascem por aqui, surgiu uma expressão que se tornou marca notória: “a lei, ora a lei”. O “bonzinho” de plantão cunhou essa observação que refletia exatamente todo o seu desapego às normas legais que porventura pudesse lhe trazer algum incômodo. E o sujeito fez escola. Passados mais de 60 anos, o exemplo continua a ser seguido sem qualquer constrangimento. Assim caminha a cúpula do país, assim vai a população ou, pelo menos, uma grande e expressiva parcela.
Tirar a lei do caminho é o que mais se faz por aqui e sem qualquer receio ou embaraço. Se o tráfego na estrada diminui ou pára, é só sair pelo acostamento e tocar em frente.
Se vier um chato de um guarda com aquela conversinha de multar, é só escorregar um cacauzinho e tudo se resolve. Pontos na carteira de habilitação se resolve com despachante que, num passe de mágica, faz com que eles desapareçam do prontuário. Isso para tocar apenas nessa área do trânsito. Em qualquer outro setor da vida nacional, a estratégia é essa. E sem culpa.
Remorso, aquele antigo rubor que subia às faces, isso tudo é tão atual quanto telefone de discar.
Nada disso, no entanto, modifica a sedução que lei exerce sobre o individuo que povoa o planeta-Brasil. Um dos assuntos em voga no momento é a chamada Lei da Ficha Limpa.
O projeto foi de iniciativa popular e, por isso mesmo, mereceu de um dos líderes do governo no Congresso Nacional a observação de que, por se tratar de um projeto que veio de fora da casa, não era prioridade. Depois disso e com muito sacrifício, foi votado, não sem antes passar pelos maquiadores para torná-lo mais interessante aos olhos e “deglutível” ao paladar.
E, finalmente, depois de retocado e tornado apresentável ao mundo da realidade nacional, foi posto em prática, se é que se possa fazer uma afirmativa como essa.
O resultado foi o mais previsível que se poderia imaginar.
Os poucos que ainda foram alcançados pelo comando legal depois da ajeitada recebida no Congresso Nacional, já estão em movimento perante o Poder Judiciário para se safar de qualquer embaraço ou peia. Daria perfeitamente para se fazer uma espécie de bolão das próximas eleições e ver se algum deles vai realmente ficar de fora.
Mas, o mais interessante de tudo é que, mesmo diante de uma ameaça de não poderem levar suas candidaturas adiante, os chamados “ficha-suja” continuam recebendo as manifestações de intenção de voto e se mantêm muito bem contados perante seus eleitorados.
Ou seja, ninguém está muito preocupado sobre o grau de encardimento das fichas. E, por acaso, isso causa alguma surpresa ou é difícil de entender ou explicar? Não. Basta fazer uma análise bastante simples acerca do conteúdo de qualquer regra legal. A lei não é mais que um princípio de conduta dotado de tamanha força e aceitação por toda a sociedade ou, ao menos, pela sua esmagadora maioria, a ponto de ganhar o contorno de regra ou norma com sanção, com punição em caso de descumprimento. Mas, é fundamental que o conteúdo da regra tenha o respaldo da sociedade, seja reconhecido como uma norma adotada e exigida pela sociedade. Isso é que vira lei. Em sentido contrário, de nada adianta criar leis artificialmente, sem esse suporte da sociedade, pois norma nenhuma vai “pegar”.
O que é assustador é que, a partir desse raciocínio, fica mais do que claro que, pelo descaso do individuo pelas leis em geral, a maioria delas não conta com a adoção de seus conteúdos pela sociedade. Ou seja, por aqui não se dá a mínima importância a nada disso. Aí, os candidatos ficam bem mais tranqüilos já que “ficha suja” é só mais um detalhe.
Mas, deixa a lei aí, né. Afinal, lei é lei, ora.
(*)Advogado , avô recente e morador em S. Bernardo do Campo (SPO). Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com
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