Britaldo Silveira Soares Filho (*)
O Brasil hoje ocupa o terceiro lugar mundial como exportador de produtos agrícolas, atrás apenas dos EUA e da União Européia, encabeçando as exportações de carne bovina, café e açúcar, e vice-líder em soja e milho.
Grande parte desse avanço é fruto de nossas pesquisas agrícolas, lideradas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), visando o aumento da produtividade de cultivos agrícolas nas nossas terras tropicais.
A soja brasileira, por exemplo, possui produtividade média superior à americana.
Políticas agrícolas acertadas, como o programa do etanol, decorrem também do empreendedorismo do nosso agronegócio, que viceja com taxas de subsídios bem inferiores às americanas e européias.
Ao mesmo tempo, o Brasil vem mostrando uma enorme capacidade de conservar o seu meio ambiente, reduzindo o desmatamento na Amazônia em mais de 75%, quando comparado à taxa de 2004.
Grande parte desse esforço de conservação na Amazônia pode ser atribuída ao maior programa mundial de criação de áreas protegidas, que desde 2002 adicionou mais de 790 mil km2 de novas áreas de conservação, permitindo cobrir atualmente 46% desse bioma. Soma-se a isso uma expressiva campanha de combate ao desmatamento coordenada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e agências estaduais auxiliadas por uma moderna tecnologia de monitoramento por satélite.
Parte da queda nas taxas de desmatamento pode ser atribuída ao arrefecimento do setor agrícola entre 2005 e 2007.
Esse fato ilustra a forte conexão entre esses dois setores, com a atividade de um afetando a do outro, o que em parte explica o forte embate entre grupos capitaneados pelo agronegócio e ambientalistas em torno da discussão do novo Código Florestal.
Presenciamos hoje no Congresso um intenso movimento para modificação do Código Florestal. A argumentação do agronegócio quanto ao atual código foca nos seus obstáculos ao desenvolvimento do setor agrícola – responsável por 25% do PIB nacional.
Um dos pilares dessa argumentação busca ressaltar que o atual código, caso suas leis sejam estritamente levadas a cabo (como de fato vem lentamente acontecendo devido aos esforços das nossas agências de fiscalização), inviabiliza economicamente grande parte das unidades agrícolas, tendo em vista o passivo ambiental das propriedades rurais, que pode alcançar cerca de 44 milhões de hectares, somente no tocante à deficiência em reserva legal.
Por outro lado, ambientalistas buscam aguerridamente assegurar os avanços da nossa legislação ambiental, cujo Código Florestal consiste no instrumento de conservação privada em escala mais ambicioso do mundo, buscando por sua vez demonstrar a importância desse esforço de conservação para os serviços ambientais, sobretudo nesse momento, quando se discutem os impactos já presentes das mudanças climáticas. Mais do que debater a flexibilização do Código Florestal (ou, como querem alguns, sua inanição), o importante é propor sua viabilização, porquanto sua conta é amarga.
Para isso, existem oportunidades econômicas.
Por exemplo, grande parte do passivo de áreas desmatadas até 1989 pode se tonar objeto de projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), sob o Protocolo de Kyoto. Algumas empresas já vislumbraram essa possibilidade. Esse é o caso da AES-Eletropaulo, que, recuperando a mata ciliar no entorno dos seus reservatórios, obtém créditos de carbono a serem revertidos em ganhos monetários por um mercado mundial de carbono.
Um entrave aos projetos de MDL refere-se ao alto custo de transação, o que praticamente deixa de fora pequenos proprietários. Mas aí entrariam as várias esferas de governo para a promoção de projetos na escala de paisagens regionais, abrangendo uma miríade de propriedades rurais.
Ao mesmo tempo, devem se buscar mecanismos para incrementar o emergente mercado de terras florestadas, visando à compensação da reserva legal dentro de microbacias hidrográficas. Tudo isso poderia fomentar um grande mercado de viveiros de mudas de árvores nativas e de espécies de madeiras comerciais, sobretudo em áreas com densa mão- de-obra rural, com é o caso dos assentamentos rurais, viabilizando assim economicamente muitos desses assentamentos localizados em remotos rincões da Amazônia e do Brasil.
Outro componente que ajudará a viabilizar o Código Florestal é a negociação hoje nas convenções da Organização das Nações Unidas (ONU) do papel das florestas tropicais na mitigação das mudanças climáticas, haja vista que as mudanças no uso da terra (sobretudo desmatamento) representam 15% das emissões mundiais de gases efeito estufa.
Um novo mecanismo central às negociações de um protocolo pós-Kyoto, porém ainda não regulamentado, chama-se Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) . A política de REDD hoje já é exercida voluntariamente, como no exemplo do Fundo Amazônia, com aporte prometido pela Noruega de um bilhão de dólares, caso o Brasil tenha sucesso em atingir sua meta de 80% de redução de desmatamento da sua linha de base histórica de 19.500km2 por ano, como proposto pelo Plano Nacional de Mudanças Climáticas.
O REDD, caso seja implementado como mecanismo oficial do novo protocolo do clima, como é o caso do MDL, poderá se materializar como uma grande oportunidade financeira para a conservação de florestas, sendo o Brasil um dos países mais bem posicionados para isso. Nesse sentido, investimentos internacionais aportados por mecanismos como REDD, quer sejam por meio de mercado ou meio voluntário, são fundamentais para ajudar o Brasil – um país emergente com grandes pressões de desenvolviment o social – a manter o seu patrimônio ambiental. Isso poderia viabilizar o nosso enorme esforço de conservação na Amazônia, pagando, por exemplo, parte da conta de manutenção da sua vasta rede de áreas protegidas. Essa rede necessita ser em muito expandida aos nossos outros biomas, como o é caso do Cerrado e Mata Atlântica, onde cobre, respectivamente, apenas 7% e 2,6%, ou seja, abaixo do mínimo estabelecido de 10% pela Convenção da Biodiversidade, da qual o Brasil é signatário.
Para tanto, é fundamental que o novo governo não apenas dê continuidade ao papel de destaque nas negociações internacionais sobre clima e biodiversidade, mas que de fato busque liderar esse processo, tendo em vista a relevância de nosso patrimônio ambiental à humanidade com um todo.
Diante desse enorme esforço de conservação, como fica a situação de produtores agropecuários e mesmo da necessidade de expansão dessa atividade, tendo em vista as crescentes demandas por alimentos, ração animal e biocombustíveis?
Estudo recente publicado pelo Banco Mundial, com a participação de vários especialistas brasileiros, no quais me incluo, demonstrou que a agricultura no Brasil pode expandir em até 50% sua área ocupada, e com isso proporcionar 10% da demanda prevista para 2030 de substituição da gasolina mundial por 20% de etanol, ao mesmo tempo em que resolve boa parte da recuperação do seu passivo ambiental.
Basta para isso intensificar a pecuária, cuja lotação atual de pastagem é de apenas um boi por hectare. Esse exemplo demonstra que existem soluções. Naturalmente, isso demandaria um forte programa nacional de incentivos. Portanto, o momento não é de reversão dos ganhos na política ambiental, mas de união do setor produtivo rural e ambientalistas, voltada a maiores responsabilidades socioambientais em prol de um futuro melhor, tanto social quanto economicamente, ao mesmo tempo em que asseguramos a estabilização do clima e um meio ambiente saudável, e com isso condições habitáveis na Terra para os nossos filhos.
(*) Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Análise de Modelagem de Sistemas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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