Augusto Nunes (*)
Nunca antes na história do futebol, garantiu o presidente Lula no meio da festança em Zurique, a FIFA tomou uma decisão tão acertada quanto a que conferiu ao País do Carnaval o privilégio de organizar a Copa do Mundo de 2014. “Será uma tarefa incomensurável, mas poderemos fazer essa Copa”, caprichou o palanqueiro em 30 de outubro de 2007. Pausa ligeira, uma lágrima furtiva e o cutucão no vizinho: “Faremos uma Copa para argentino nenhum botar defeito. Vocês verão coisas lindas da natureza e nossa capacidade de construir bons estádios.” Passados quase três anos, nenhum argentino enxerga alguma coisa que mereça reparos: a revisita ao palavrório na Suiça informa que só estão prontas as “coisas lindas da natureza” ─ pelo menos as que não dependem do governo.
O resto ─ um mundaréu de obras abrangendo estádios, aeroportos, a malha de transportes urbanos, o sistema de trânsito, a rede hoteleira e outros pontos críticos ─ continua no papel. “Falta tudo”, resumiu no fim da Copa da África do Sul o secretário-geral da FIFA, Jerôme Valcke. Se a Seleção tivesse conquistado o hexa, o carnaval temporão inibiria ou acabaria abafando qualquer cobrança da entidade que controla o futebol mundial. Caso algum cartola com sotaque ousasse atrapalhar o feriadão nacional, seria silenciado aos gritos pela pátria de chuteiras: um país que ganha seis vezes a taça é capaz de fazer em seis meses o que outros não fazem em seis anos.
O fiasco do time de Dunga mostrou que o presidente foi traído pelo complexo de Deus. Nem combinou com os holandeses nem preparou um plano B. Surpreendido pelo pito de Jerôme Valcke, entrou em campo sem aquecimento e viajou na bravata aloprada. “Terminou uma Copa do Mundo na África do Sul agora e já começam aqueles a dizer: ‘Cadê os aeroportos brasileiros? Cadê os estádios brasileiros? Cadê os corredores de trem brasileiros? Cadê os metrôs brasileiros?’”, improvisou. “Como se nós fôssemos um bando de idiotas que não soubéssemos fazer as coisas e não soubéssemos definir as nossas prioridades”.
O uso do sujeito indeterminado comprova que Lula sabe com quem está falando: “aqueles” são os dirigentes da FIFA, entidade que não se impressiona com chiliques de devedores.
O uso da primeira pessoa do plural comprova que Lula se considera um Macunaíma mais esperto: o “nós” transforma todos os brasileiros em alvo do petardo endereçado ao destinatário com endereço certo e sabido. Valcke circunscreveu o diagnóstico a uma fantasia batizada de “PAC da Copa”. Mas vale para o PAC1, o PAC 2 e demais filhotes da família aos cuidados da mãe que não diz coisa com coisa. Quem não sabe fazer o que promete é Lula. Quem não sabe definir prioridades e materializá-las é Lula.
Sabe-se há muitos anos que a diferença entre um estadista e um político é que, enquanto o primeiro pensa na próxima geração, o segundo pensa na próxima eleição.
Graças a Lula, constatou-se que a segunda categoria se divide entre os que pensam na próxima eleição todos os dias e os que só pensam nisso o tempo todo. Para vencer, fazem qualquer negócio. Vendem a mãe, não admitem erros nem se responsabilizam por estragos causados por gente que nomeou. Os culpados são sempre os outros, vem confirmando o presidente desde que a FIFA denunciou a farsa que ainda ilude milhões de brasileiros.
Dois dias depois do truque do sujeito indeterminado, o camelô de si mesmo reapresentou em Diadema o truque do vilão misterioso. “Tem uma pessoa, que eu não sei quem é, mas que cria muitas dificuldades para dar licenças ambientais não só aqui, mas em várias cidades de São Paulo”, acusou. As risadas subalternas na plateia subalterna avisaram que, se o orador está em dúvida, os ouvintes amestrados sabem que é José Serra. A invencionice explica porque ainda não deram as caras em território paulista o trem-bala que Lula prometeu começar a construir em 2006, o terceiro aeroporto que Dilma Rousseff prometeu começar a construir em 2007 e outros colossos que só aparecem no comício de todos os dias.
Lula, na opinião de Lula, é o maior governante da História.
A afilhada Dilma Rousseff, na opinião do padrinho, é a maior gerente de país de todos os tempos. E no entanto nada acontece, além da multiplicação dos dependentes do Bolsa Família e da liberação de verbas que não chegam ao destino oficial. Favorecido pelo crescimento econômico que segue seu curso apesar do governo, o Brasil é contemplado uma vez por semana com algum milagre visível apenas aos olhos de quem crê nos superpoderes do enviado pela Divina Providência para salvar o Brasil.
Por enxergar as coisas como as coisas são, o secretário-geral da FIFA está cobrando o cumprimento das promessas que fizeram do país a sede da Copa de 2014. Valcke tem motivos para desconfiar de que andou lidando com tratantes e ineptos, mas não usou a expressão “um bando de idiotas”.
Quem trata os brasileiros como se fôssemos todos idiotas é o presidente da República.
(*) Ex-Diretor do Jornal do Brasil, do Jornal Gazeta Mercantil e Revista Forbes. Atualmente na Revista Veja.
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