Bellini Tavares de Lima Neto (*)
Apesar de já ter melhorado um pouco, a cidade de São Paulo ainda não goza de um conceito muito positivo aos olhos e percepção de muita gente.
Aliás, para ser mais objetivo, na opinião de muita gente ela poderia muito bem ser representada pela figura de um gigante, mais ou menos como aquele da estatua do Borba Gato na Avenida Santo Amaro. Só que, nas costas, ele carregaria vários alforjes, mochilas, sacos e bornais contendo uma variedade de coisas.
A verdadeira coleção de estereótipos que marcam a fisionomia social, afetiva e comportamental do paulistano e que parecem desfilar em cortejo diante dos olhos tanto dos nativos quanto dos alienígenas que povoam a cidade.
Num alforje estaria acomodada a pressa com que vive o paulistano, sua marca registrada. No bornal, bem protegido, o seu alardeado mau humor, a falta de sorriso e descontração, a tensão constante, pronta para desferir golpes de reação e auto-defesa.
Estourando a capacidade da mochila, muito bem protegido está a insensibilidade e a indiferença do paulistano, seu costume de se preocupar só com os problemas que lhe afetem, sem tempo ou interesse para o que possa acontecer à sua volta, seja bonito ou feio.
Na sacola, caindo pelas bordas, se veria a falta de solidariedade do paulistano, sua incrível capacidade de não se emocionar com nada que não seja o trabalho e o progresso.
Esse gigante, misto de ogro com burro de carga talvez reflita com fidelidade a maneira pela qual muita gente vê o paulistano.
Será que é isso, mesmo? Não, não é. Garanto que não.
Aliás, só tracei esse perfil do paulistano para que o pensamento se tornasse concreto.
É mais ou menos como dizer alguma coisa polêmica ou assustadora em voz alta, só para ouvir o som da coisa. Normalmente, assusta, confunde e faz pensar.
E fiz isso porque nós mesmos, os paulistanos ou habitantes da cidade, acabamos concordando com essa visão, sobretudo quando somos apanhados em situação difícil. Um desses congestionamentos gigantescos, uma enchente, falta de luz, tudo isso faz com que se comece a pensar na cidade dessa forma e no paulistano como esse quase-monstro.
A cidade e as pessoas por aqui até podem ter um jeito um pouco diferente dos patrícios das outras cidades, mas não é nada justo dizer que só por aqui existem os insensíveis, os individualistas, os que vivem a vida inteira sem perceber que havia mais gente no planeta enquanto estava por aqui. É que, numa cidade do tamanho desta, tudo é um pouco diferente, mesmo.
Observe-se, por exemplo, uma situação curiosa que acontece com freqüência no trânsito. O sujeito se senta no automóvel e parece que se transforma no monstro, aquele alter-ego do médico. Sai pelas ruas agredindo todo mundo, disputando os espaços com os demais motoristas, uma luta desenfreada e, convenhamos, completamente sem sentido.
Mas isso seria privilégio do paulistano? Seguramente não.
A grande diferença entre os destas bandas e muitos outros é o temperamento, a forma de se manifestar, a capacidade de expressão.
Por aqui as pessoas talvez sejam, mesmo, menos expansivas. Mas, basta responder a uma só pergunta: que outro lugar abriga gente de todos os lados do país e do planeta?
Que outra cidade escancarou suas portas para que todas as culturas, todos os costumes, todas as tradições pudessem se instalar, trazidas na mala por todo esse contingente de brasileiros e estrangeiros que para cá se transferiram e foram recebidos sem qualquer restrição?
Nesta cidade, como já cantaram poetas de toda estirpe e estilo, todos tem um espaço para se instalar e, o que é mais importante, se sentir em casa, independente de onde tenha vindo. E o paulista apenas tem seu jeito de ser e de se comportar.
Talvez não viva, mesmo, distribuindo sorrisos. Mas, por outro lado, também não precisa muito disso porque distribui outros valores até mais efetivos e importantes, como a hospitalidade sem limites.
Por isso, é profundamente injusto ver o paulista como aquele indivíduo intencionalmente mal descrito ali de cima. E, por isso mesmo, ninguém deveria, em hipótese alguma, motivado por seja lá o que possa ser, levantar bandeiras divisionistas em relação ao brasileiro nascido em São Paulo.
Esta cidade tem seu jeito próprio, mas nunca andou na contra-mão do país, nunca se isolou nem nunca se deslocou para o outro lado do círculo azul da bandeira procurando figurar como estrela distinta. Se é a principal cidade do pais, é porque é. Em todas as nações do mundo existe alguma cidade que ocupa essa posição. É apenas isso. Tomara que nunca mais ninguém sugira que São Paulo agora vai se alinhar com o resto do Brasil..
Até os disparates precisam ter limites e o senso de responsabilidade não pode ser completamente alijado de nenhum cenário.
(*) Advogado, agora avô e morador em São Bernardo do Campo (SP)
Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http://blcon.wordpress.com/
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