sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Cada um com seus motivos

Bellini Tavares de Lima Neto (*)

O diretor de cinema Quentin Tarantino ganhou fama e prestigio internacionais graças, naturalmente, ao seu talento, mas, em especial, por utilizar de um recurso que, por mais estranho que possa parecer, é infalível para se obter sucesso e reconhecimento. 
Quem já assistiu “Pulp Fiction”, “Sin city”, “Kill Bill” e outros, sabe exatamente a que me refiro. Em “Kill Bill”, por exemplo, há uma cena em que a personagem de Uma Thurman é enterrada viva. O filme retrata, então, o seu desespero pela falta de ar e a luta para tentar escapar daquilo. Mesmo para quem não tenha qualquer tendência ou traço de claustrofobia, a cena é de matar, tanto no sentido literal quanto figurado da palavra. E, no entanto, o cineasta é consagrado pelo público que parece ir ao delírio com aquela violência toda.

Essa é uma das muitas contradições ostentadas pelo gênero humano. Cada vez que a mídia exibe uma cena de crime cometido com requintes de crueldade ou um desastre de proporções gigantescas com corpos dilacerados, a sociedade reage estarrecida ou revoltada e manifestações em prol da paz e da antiviolência se espalham pelo território. Mas, da mesma forma que nascem, elas se encolhem e desaparecem. 

Às vezes não é preciso mais que uma semana para os pacifistas se plantarem diante da televisão para ver se acontece algum acidente espetacular na corrida de “Fórmula Um”. 
Aí é de se perguntar: nós, os tais humanos, gostamos ou não da violência? 
Uma das primeiras reações diante de um ato de carnificina, um crime hediondo, uma cena dantesca é qualificar aquilo como “coisa de animal”. E então, é de se perguntar: que animal, em toda a escala biológica, ateia fogo ao cadáver depois de tê-lo matado? 
Qual dos machos, em toda a biologia, estupra a fêmea? 
Qual, dentre os animais, agride o outro até a morte que não seja para comer ou defender a própria vida no sentido estritamente biológico?

O jornal “O ESTADO DE SÃO PAULO” publicou, no dia 30 de julho de 2010, matéria relatando uma prática adotada até hoje pela sociedade do Irã: o apedrejamento. 
O curto, mas contundente texto é o seguinte: “Segundo a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch, Sakineh foi condenada em 2006 por ter "relações ilícitas" com dois homens depois da morte de seu marido. A Justiça sentenciou a mulher a 99 chibatadas. 
Em setembro do mesmo ano, porém, durante o julgamento de um homem acusado de matar o marido de Sakineh Mohammadi Ashtiani, outro tribunal reabriu o caso de adultério com base em eventos que teriam ocorrido antes da morte dele. Apesar de voltar atrás na confissão feita sob coerção, Sakineh foi condenada. A morte por apedrejamento foi sentenciada muitas vezes depois da Revolução de 1979. Foi oficializada no Código Penal do país em 1983. Até 1997, pelo menos dez pessoas foram mortas por ano.
O ex-presidente moderado Mohammad Khatami conseguiu reduzir a aplicação da punição, mas a sentença voltou a ser usada por Mahmoud Ahmadinejad. Hoje, 24 iranianos aguardam a execução por apedrejamento. As mulheres são enterradas até o busto e homens atiram pedras pequenas o bastante para não matar de uma vez. Homens são enterrados até a cintura, com os braços livres para que possam se defender. A lei islâmica prevê a morte por apedrejamento para condenados por assassinato, estupro, assalto à mão armada, tráfico e adultério.“

Se a noticia estivesse na secção de cinema do jornal, teria mais sentido. 
Poderia se tratar da sinopse de um novo filme do cineasta Tarantino ou de qualquer outro dos muitos diretores que se esmeram na arte de descer aos detalhes da crueldade humana. Mas, outra vez, se trata da vida imitando arte. E isso tudo que se passa nesse país chamado Irã é feito em nome de um Deus. Alguém poderá dizer que se trata de um traço cultural da sociedade e, portanto, deve ser respeitado. 
Nesse caso, porque não respeitamos, também, o canibalismo, a pedofilia, a oferenda do sangue e da vida de virgens aos deuses, a arena com leões e tantas outras expressões culturais? E, ainda que se possa “respeitar” as características culturais dos diversos povos, tem algum sentido lógico, serio, honesto em se prestigiar algo assim, em se manter relações de intensa cordialidade a ponto de fazer visitas oficiais a países dessa espécie? Se eu tivesse como vizinho um estuprador, um traficante de drogas, um pedófilo, todos reconhecidos, talvez até não os denunciasse por receio de vingança, mas, seguramente, não iria visitá-los jamais.

A menos que eu quisesse me tornar um deles.
Mas, o gênero humano é, realmente, muito desafiador...

(*) Advogado , avô recente e morador em S. Bernardo do Campo (SPO). Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com


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