quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Mais distante o déficit zero


Durou pouco o namoro do governo Lula com a ideia de contas públicas equilibradas, isto é, com receitas suficientes para cobrir o custeio da administração, os investimentos públicos e os compromissos financeiros do Tesouro. "Teremos de esperar um pouco mais", disse recentemente o ministro da Fazenda, Guido Mantega, renunciando à esperança de um país sem déficit ainda neste mandato. Esse "pouco mais" pode corresponder a uns cinco ou seis anos, segundo analistas do setor privado. A crise ainda não havia chegado aos cofres do governo, em novembro do ano passado, quando o secretário do Tesouro, Arno Augustin, formulou a profecia otimista: "Os resultados de 2008 mostram que o País está caminhando para o déficit nominal zero, e o resultado poderá ser atingido antes de 2010." 
Mas o cenário mudou amplamente, nos meses seguintes, e só uma parte da mudança é atribuível à recessão e a seus desdobramentos.

A crise iniciada no exterior e importada nos meses finais do ano passado afetou direta e indiretamente as contas públicas brasileiras. A receita de impostos e contribuições diminuiu, por causa da retração econômica e do aumento do desemprego. Além disso, o Tesouro Nacional foi obrigado a gastar mais com a assistência aos desempregados. 
Esses foram os impactos diretos. 
Para atenuar os efeitos da crise, o governo concedeu incentivos fiscais a setores selecionados. O corte de tributos ajudou a sustentar o consumo e certo nível de produção em alguns segmentos da indústria. Parte da renúncia fiscal ainda será mantida em 2010, pelo menos por alguns meses. A perda de receita causada pelos incentivos é o efeito indireto.

Mas o governo, embora perdendo receita, continuou expandindo seus gastos. Investiu mais que nos anos anteriores e essa mudança foi positiva. Mas elevou também as despesas de custeio, principalmente os salários e demais encargos da folha de pessoal. A folha pesa muito mais que os investimentos no conjunto das contas públicas. Neste ano, até o dia 17 de dezembro, foram desembolsados R$ 153 bilhões para salários e encargos e apenas R$ 11,6 bilhões para investimentos.
As contas do Tesouro registram de janeiro a novembro R$ 134,8 bilhões gastos com a folha, sem contar a contribuição patronal para a seguridade. Essa despesa foi 17,2% maior que a de um ano antes, em valores correntes. De 2007 para 2008, o aumento havia sido de 11,5%. Em outras palavras: a expansão do gasto com pessoal ganhou impulso em 2009, apesar da crise econômica e da consequente redução da receita.

Essa política é uma aberração. 
Na maior parte do mundo, os governos em condição de adotar políticas anticrise aumentaram os investimentos públicos e concederam estímulos fiscais ao consumo. 
Em alguns países, houve socorro a bancos e a indústrias em dificuldades. Não há nenhuma novidade nesse tipo de ação. Medidas fiscais anticíclicas foram acrescentadas ao repertório das políticas públicas há várias décadas. 

 São medidas emergenciais, adotadas para estimular a atividade econômica em fases difíceis, quando o consumo e o investimento privados se retraem. Nessas ocasiões, a política fiscal funciona como um motor auxiliar, para compensar a perda de impulso de outras fontes. Por serem medidas emergenciais, os governos podem retirá-las ou atenuar seus efeitos quando a situação melhora. Os novos investimentos são concluídos. 
Os incentivos são eliminados. Mas o governo brasileiro adotou um padrão diferente. 
Os investimentos continuaram com pouco peso no orçamento, embora tenham aumentado, e as despesas com pessoal se tornaram muito mais volumosas. 
Gastos com a folha, no entanto, são permanentes. 
A política adotada pelo governo petista tornou mais inflexível um orçamento já muito rígido. No próximo ano as despesas com a folha voltarão a crescer e o orçamento ainda será inflado por outras bondades eleitorais.

Nos 12 meses terminados em outubro, o déficit nominal do setor público (incluídos, portanto, os custos financeiros) chegou a R$ 137,9 bilhões, valor 278% maior que o acumulado um ano antes e correspondente a 4,6% do PIB. 
Em outubro de 2008, a proporção era de 1,3%. Com crescimento econômico esperado para 2010, essa porcentagem poderá diminuir um pouco, mas o equilíbrio continuará distante. 
E a rigidez do orçamento federal será maior que a de hoje, tornando mais difícil a arrumação das contas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário