segunda-feira, 17 de junho de 2013

Perplexidade

Eliane Cantanhêde (*) 

Tudo o que a presidente Dilma Rousseff conseguiu declarar (via assessoria), num dia absolutamente espetacular como ontem, foi que manifestações pacíficas de jovens são legítimas. Ok, são, sim. Mas e daí? E as manifestações que nem são só de jovens nem são totalmente pacíficas? 

A declaração da presidente não correspondeu à tensão, à dimensão dos episódios, às imagens impressionantes que o país assistia, naquele mesmo momento, início da noite, pela TV e pela internet: 65 mil pessoas ocupavam São Paulo, segundo o Datafolha, o Congresso Nacional era cercado, o centro do Rio de Janeiro estava totalmente tomado pelos manifestantes. Protestos pipocavam daqui e dali pelas capitais. 

Correspondeu menos ainda ao que ocorreu mais tarde no Rio, onde a situação saiu de controle e parte dos manifestantes queimou um carro e promoveu novas cenas de vandalismo. 

Mais do que esclarecer ou explicitar algo, essa sucinta versão da "legitimidade" foi um reconhecimento claro da perplexidade de Dilma diante da situação que tomou conta do país. Mas, verdade seja dita, essa perplexidade não é exclusiva da presidente.

Se há um reconhecimento consensual de que o aumento das passagens foi um simples detonador, nenhuma autoridade, de nenhuma instância, soube até agora ao menos arriscar uma avaliação do que está acontecendo no país e apontar o que --e quem-- está por trás disso. 

Parecia tudo tão maravilhoso no oásis Brasil e, de repente, estamos revivendo as manifestações da Praça Tahir, no Cairo, assim de repente, sem aviso, sem um crescendo. Fomos todos pegos de surpresa. Do paraíso, deslizamos no mínimo para o limbo. O que está ocorrendo no Brasil? 

Por enquanto, a única resposta é que há uma insatisfação e uma irritação difusas e até então não devidamente percebidas. Mas a única certeza é que a força e a incrível capacidade de mobilização das redes sociais que estão revolucionando parte do mundo árabe estão se repetindo aqui. Lá, para derrubar regimes autoritários. E aqui, onde o regime autoritário já era há tempos? 

O momento não é de respostas, é de dúvidas, de interrogações. Dilma simplesmente não tem o que dizer. Aliás, ninguém tem. A palavra está com os manifestantes, mas são tantos e tão diferentes que talvez nem eles tenham ainda respostas. Algo ocorre. O quê, ninguém sabe exatamente. 

(*) Jornalista é colunista da Folha de São Paulo

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