terça-feira, 25 de junho de 2013

A tia está mais perdida que cachorro quando cai da mudança

PROTESTOS: Recuo de Dilma menos de 24 horas depois de propor plebiscito e “constituinte” para reforma política é um sinal alarmante de que o governo está perdido, está no mato sem cachorro  

Ricardo Setti (*) 


Não tenham dúvidas, amigas e amigos do blog: é alarmante constatar que o governo da presidente Dilma, neste momento crucial da vida brasileira, com milhões de cidadãos protestando nas ruas, está perdido, está no mato sem cachorro. 

Nenhum chefe de Estado que se preze faz uma solene proposta em rede nacional de TV — no caso, a de uma constituinte para realizar uma reforma política, a ser convocada por plebiscito, ideia esdrúxula sobre cuja forma de execução ninguém tinha a menor ideia e que foi duramente combatida por diversos setores — para, 24 horas depois, por vias indiretas e com seu governo mostrando visível desconforto, recuar e dizer que não é bem assim. 

Segundo lembra o site de VEJA, “desde que foi alardeada pela presidente, pegando de surpresa governadores e prefeitos que aguardavam o início de uma reunião em Brasília, a ideia da Constituinte foi bombardeada por juristas, políticos da base parlamentar do governo e da oposição, e, reservadamente, considerada inviável por integrantes do Supremo Tribunal Federal. Pelo menos quatro magistrados do STF procuraram líderes do governo e da oposição para alertar sobre os riscos da proposta. Um dos ministros mais engajados enfatizou que o anúncio da chefe do Executivo era um ‘golpe contra a democracia’”. 

Dilma, que obviamente não preparou devidamente, até por falta de tempo, a grande reunião com governadores e prefeitos, como acentuei em post anterior, no fim das contas fez os governadores e prefeitos de palhaços, por mais que, hoje, constrangidíssimo, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tenha tentado justificar a proposta da presidente: 

– A presidente da República falou em processo constituinte específico; ela não defendeu uma tese. Há várias maneiras de fazer um processo constituinte específico. Uma delas seria a convocação de uma Assembleia Constituinte, como muitos defendem. A outra forma seria, através de um plebiscito, colocar questões que balizassem o processo constituinte específico feito pelo Congresso. A presidente falou genericamente. 


Falou “genericamente”? Quer dizer que então se faz uma sugestão, na verdade concretíssima, ao conjunto da cidadania, aos mais de 100 milhões de eleitores de todo um país, ao Senado, à Câmara dos Deputados, à magistratura, à opinião pública internacional etc etc — e, de repente, ela é “genérica”? 

Dilma chefia um governo que não conversa com ninguém (ela própria, segundo o ministro Gilberto Carvalho, consulta-se basicamente com os ministros do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, seu amigo de juventude, e da Educação, Aloizio Mercadante, viciado em perder eleições para o governo de São Paulo), que não ouve ninguém, que não controla mais sua confusa e entrechocante base aliada, que não sabe o que fazer nem para onde vai. 

Mesmo agora, ao manter, com modificações, a ideia nebulosa de um plebiscito — o Planalto divulgou nota agora há pouco defendendo “a relevância de uma ampla consulta popular por meio de um plebiscito” –, trocou-se a iniciativa de o povo decidir ou não pela convocação de uma constituinte exclusiva por outra medida: os eleitores decidirão diretamente se aprovam ou não temas específicos de reforma política que serão propostos. 

E então voltamos à estaca zero: nunca houve consenso sobre questões cruciais da reforma política, principalmente sobre a MÃE DE TODAS AS DISTORÇÕES — a desigual representação proporcional dos Estados na Câmara dos Deputados, que faz um cidadão de Roraima valer, em termos eleitorais, mais de dez vezes um cidadão que viva em São Paulo. Da mesma forma, nunca se obteve consenso sobre se o voto deve ser obrigatório ou não, sobre como se fazer o financiamento das campanhas, sobre se haverá ou não voto distrital etc etc etc. 

Há pelo menos 20 anos discute-se uma reforma política no Congresso e nunca se conseguiu uma ampla maioria para nada efetivamente relevante. 

Como, então, poderá haver consenso para decidir o que irá ser proposto ao eleitorado na cédula com a qual ele votará no tal plebiscito? Quaisquer que sejam as perguntas, elas precisarão passar pelo crivo do atual Congresso, e não há a menor dúvida de que serão podadas. 

Parece que ninguém no governo pensou nisso. Uma prova mais de que estão perdidos, sem saber o que fazer e para onde ir. No mato sem cachorro.

(*) Jornalista e colunista da revista VEJA

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