quinta-feira, 16 de maio de 2013

Guerreiros modernos

Bellini Tavares de Lima Neto (*) 

Os programas eleitorais inteiros, desses que duram algo em torno de 15 minutos, desses eu tenho como me defender. Afinal, eles são previamente anunciados, entram sempre entre um programa e outro na televisão e, portanto, ensejam a possibilidade de se mudar de canal para quem tem TV por assinatura ou simplesmente desligar o aparelho e esperar que passe o tempo. Contra esses, portanto, há remédio, é possível se salvar. 

Mas, o que dizer daquelas inserções rápidas que invadem a tela durante os intervalos do que se estiver assistindo? Desses já é bem mais difícil de se livrar. Exatamente por isso, desses dificilmente se consegue escapar, a menos que se aproveite os intervalos para uma ida rápida ao banheiro ou à cozinha apanhar um café. Como não há jeito de se ir ao banheiro tantas vezes e também não há estômago que suporte tanto café, só resta assistir as tais inserções mais curtas. 

Nessas, o que mais me chama a atenção é o espírito beligerante. Com raras exceções, todos os membros de todos os partidos políticos necessariamente falam em lutar e explicam a sua luta. Todos lutam, todos estão engajados em lutas. 

Considerando que não há, em meio a essa constelação de figuras curiosas, nenhum integrante do chamado MMA, é certo que eles não estão se referindo aos octógonos onde criaturas enormes e aparentemente insensíveis a dores e estalos, fazem o delírio de uma plateia uivante e tresloucante. 

Claro que não se trata desse tipo de luta. Eles estão, na verdade se referindo a lutas por metas e projetos. Pode ser um projeto de educação ou saneamento básico ou relativo à saúde pública ou à segurança. Os alvos das lutas são diversos. E, como se fala constantemente nessa luta, seria interessante se tentássemos entender com mais clareza e precisão o alcance e o significado desse vocábulo que parece traduzir toda a atividade dos já referidos membros dos já referidos partidos políticos. 

Diz o verbete do Dicionário Aurélio: “Lutar – do latim “luctare”. 
E, então, se seguem os diferentes significados, dependendo da natureza gramatical de cada situação. Como Verbo Intransitivo: 
1. Travar luta; combater, brigar, pelejar, pugnar; 
2. Despender todas as forças, trabalhar com aferro, pelejar, pugnar; Exemplo: “Sua natural inércia impede-o de lutar – jamais conseguirá o que pretende”. Como Verbo transitivo indireto: 
3. Combater, brigar, pelejar, pugnar; Exemplo: “lutavam pela verdade abstrata e tinham como fim a salvação do mundo (Eça de Queiróz, Cartas Familiares e Bilhetes de Paris, p.183) 
4. Despender todas as forças, trabalhar com aferro para atingir certo objetivo; Exemplo: “Lutou pelo cargo de diretor, mas o seu nome foi preterido”. 
5. Arcar, arrostar – Exemplo: lutar com dificuldades. Como verbo bitransitivo Indireto: 
6. Contender, disputar, competir; Exemplo: “Lutou com o irmão por parte da herança”. Como verbo transitivo direto: 
7. Travar (luta, combate); Exemplo: “Leoa que amamenta as almas modernas que hão de lutar a grande luta (Lúcio de Mendonça, Horas do Bom Tempo, p. 316) 

Em qual dos sete significados se encaixa a luta a que estão entregues todos os membros de todos os partidos políticos que se alardeiam durante os horários obrigatórios? Resposta difícil. O que se pode perceber é que, seja lá qual seja o significado do verbo, sempre existem dois pontos presentes: ou o lutador luta contra alguém ou luta contra algum tipo de obstáculo. Sem adversário ou barreira não tem como lutar. Mas, e quando o sujeito luta consigo mesmo? Pois é, nesse caso o oponente é ele mesmo, a barreira é alguma coisa sua. Nem assim podem faltar ou o adversário ou a dificuldade. 

Então, quando um dos guerreiros da televisão aparece com as mãozinhas fechadas fazendo um gesto em paralelo que sobe e desce e diz que luta pela educação, pela saúde ou seja lá pelo que for, conta quem ele está lutando? Contra a oposição? Pode ser, mas e quando o herói pertence à situação, ao partido que está no poder? E será que tem algum dos intrépidos cruzadistas que seja contra a melhoria da educação, da saúde, da segurança, dos salários dos trabalhadores? Ora, se todos lutam por isso, afinal, lutam contra quem? 

Bem, contra o Anderson Silva é que não deve ser. Afinal, quem é maluco, além de nós que ouvimos isso há tanto tempo? 

(*) Advogado, avô, corintiano e morador em São Bernardo do Campo (SP)
 

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