Luís Augusto Fischer (*)
Estava lendo um interessante artigo de Benedict Anderson para a Revista da Nova Esquerda (newleftreview.org) sobre a distribuição do prêmio Nobel de literatura pelo mundo afora, quando fui passear no facebook, este pátio escolar em que tudo pode acontecer. E então me deparei com uma chamada para vídeo com a conhecida filósofa Marilena Chauí. O título me convocou: "A maldição da classe média". Eu, classe média sem vergonha dessa circunstância, alguém que sabe que a classe média é peça central do mundo, inclusive o da literatura, lá me fui.
A conhecida filósofa estende um interessante raciocínio: considera um equívoco conceber como classe média os trabalhadores que agora usufruem de certos direitos e que podem dispor de alguma escolha no consumo, até mesmo cultural. Estou acompanhando o raciocínio e considerando correto o rumo da coisa.
Aí, aos 3 minutos e 35 segundos, ela profere uma frase perfeitamente imbecil: diz que está renegando essa denominação porque ela odeia a classe média. (Não preciso dizer que a plateia, por certo de classe média mas com as cangalhas do esquerdismo trivial, a aplaude com ganas.)
Minha estupefação é grande. Penso em voltar ao artigo do Nobel, para oferecer aos meus escassos leitores um passeio pelos caminhos da geopolítica literária, mas não paro de pensar na filósofa que odeia toda uma classe, casualmente a minha. Mas por quê? Aliás, é possível odiar uma classe? O marxismo original preconizava o combate à burguesia, em favor do socialismo. Mas burguesia não é igual a classe média; será combate igual a ódio?
Por certo há, na classe média, talvez mais do que acima e abaixo dela, muita gente trivial, que não pensa e não gosta de quem pensa; mas na classe média, igualmente, não nascem pessoas que valem a pena, inclusive para os melhores propósitos da esquerda democrática, como a luta pela distribuição de renda e pela igualdade de direitos?
Que mundo. Ainda não parei de me espantar. Uma pessoa culta e articulada como ela sentir, pensar e declarar isso é tão patético e tão imbecil quanto um racista que odeia negros ou judeus ou alemães ou índios.
(*) Escritor é colunista do jornal Zero Hora
Estava lendo um interessante artigo de Benedict Anderson para a Revista da Nova Esquerda (newleftreview.org) sobre a distribuição do prêmio Nobel de literatura pelo mundo afora, quando fui passear no facebook, este pátio escolar em que tudo pode acontecer. E então me deparei com uma chamada para vídeo com a conhecida filósofa Marilena Chauí. O título me convocou: "A maldição da classe média". Eu, classe média sem vergonha dessa circunstância, alguém que sabe que a classe média é peça central do mundo, inclusive o da literatura, lá me fui.
A conhecida filósofa estende um interessante raciocínio: considera um equívoco conceber como classe média os trabalhadores que agora usufruem de certos direitos e que podem dispor de alguma escolha no consumo, até mesmo cultural. Estou acompanhando o raciocínio e considerando correto o rumo da coisa.
Aí, aos 3 minutos e 35 segundos, ela profere uma frase perfeitamente imbecil: diz que está renegando essa denominação porque ela odeia a classe média. (Não preciso dizer que a plateia, por certo de classe média mas com as cangalhas do esquerdismo trivial, a aplaude com ganas.)
Minha estupefação é grande. Penso em voltar ao artigo do Nobel, para oferecer aos meus escassos leitores um passeio pelos caminhos da geopolítica literária, mas não paro de pensar na filósofa que odeia toda uma classe, casualmente a minha. Mas por quê? Aliás, é possível odiar uma classe? O marxismo original preconizava o combate à burguesia, em favor do socialismo. Mas burguesia não é igual a classe média; será combate igual a ódio?
Por certo há, na classe média, talvez mais do que acima e abaixo dela, muita gente trivial, que não pensa e não gosta de quem pensa; mas na classe média, igualmente, não nascem pessoas que valem a pena, inclusive para os melhores propósitos da esquerda democrática, como a luta pela distribuição de renda e pela igualdade de direitos?
Que mundo. Ainda não parei de me espantar. Uma pessoa culta e articulada como ela sentir, pensar e declarar isso é tão patético e tão imbecil quanto um racista que odeia negros ou judeus ou alemães ou índios.
(*) Escritor é colunista do jornal Zero Hora
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