Washington Novaes (*) para O Estado de S.Paulo
Voltam os jornais a povoar-se de notícias inquietantes sobre os dramas da educação no Brasil, sua repercussão sobre a economia e as taxas de pobreza e desigualdade. Segundo órgãos internacionais, o Brasil está em 88.º lugar nos índices de educação, entre 128 países pesquisados - em situação mais precária até que Paraguai, Peru, Colômbia, Equador, Bolívia e Honduras. Segundo a OCDE (Estado, 17/9), quem conclui curso superior tem renda média 156% maior que a dos que não passam pela universidade. Mas no Brasil só 12% das pessoas entre 25 e 34 anos têm curso superior. Uma das razões certamente está em que gastamos em educação (5,3% do PIB) menos que a média aferida pela OCDE (5,9% em 2008).
Não podem surpreender as consequências no mercado de trabalho, principalmente na oferta de mão de obra qualificada. Metade dos alunos do terceiro ano da escola fundamental pública e privada não aprendeu os conteúdos previstos; 44% não têm conhecimentos necessários para a leitura; 46%, para a escrita; 57%, para Matemática. Isso na média, no Nordeste os índices são ainda mais preocupantes (Estado, 26/8).
Com tantas dificuldades, 9,6% da população (18,43 milhões de pessoas) é ainda analfabeta, segundo o IBGE (42,6% entre maiores de 60 anos, 16,4% entre os pobres, 52,2% entre nordestinos). Mas a erradicação do analfabetismo não está no plano plurianual Brasil Maior, enviado pelo Executivo ao Congresso. O que pretende o Ministério da Educação é reduzir a porcentagem de analfabetos a 6,7% da população (12,86 milhões), segundo o respectivo ministro. Principalmente entre mulheres, habitantes da zona rural e afrodescendentes.
As deficiências educacionais repercutem com intensidade na área do conhecimento científico, em que o número anual de patentes solicitadas no País (previsão de 36 mil em 2011) é 17 vezes menor que o dos Estados Unidos (Estado, 4/7), embora pudesse ser um pouco maior, já que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), com restrita capacidade operacional, tem 154 mil pedidos "em tramitação" e a média de conclusão é de oito anos. De qualquer forma, a iniciativa de inovação científica em nossas empresas não passa de 38% do total, ante mais de 70% na Alemanha. E, para agravar, o Brasil só investe 1,09% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento, segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia (Estado, 4/7).
Falta de recursos? Depende de como se olhe. O País - como foi dito aqui na semana passada - gasta em subsídios na economia, juros bancários da dívida e ajuda a mutuários mais de R$ 100 bilhões por ano, algumas vezes mais que no Bolsa-Família. Não sobra muito para investir em cada aluno no sistema educacional, quatro vezes menos que nos Estados Unidos, por exemplo. Aqui, o investimento médio é de R$ 1.221 por aluno no ensino fundamental, R$ 1,5 mil no ensino médio e R$ 11,8 mil no superior. E já não falta quem proponha até a supressão do ensino da escrita na escola. Quando há décadas se sabe, a partir da proposta do professor Darcy Ribeiro para os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), onde levada à prática com competência: só a escola de tempo integral - dois turnos, três refeições diárias, período de estudo acompanhado fora de classe, assistência psicológica, esporte dirigido - pode suprir as carências das crianças de famílias mais pobres, compensar o que elas não podem ter em casa.
A importância do acompanhamento, da assistência, foi comprovada em pesquisa da prefeitura de Nova York, que concluiu ser o melhor rendimento escolar nas escolas públicas o de crianças de famílias imigrantes (vietnamitas, sul-coreanas, chinesas), em que pais e mães dedicavam em média três horas e meia diárias ao acompanhamento das tarefas escolares - quando nas famílias das demais crianças era de uma hora por dia. Outra pesquisa da mesma prefeitura mostrou que parte do tempo que deveria ser dedicado ao ensino das matérias tradicionais nas escolas públicas era tomado pela educação para o trânsito, pelo acompanhamento e orientação da sexualidade dos pré-adolescentes, pelo ensino da relação com pessoas mais velhas, etc. - tarefas que deveriam caber às famílias. Mas como exigir delas, se os pais aqui mal têm tempo para cumprir sua jornada de trabalho fora, mais o tempo na condução?
Parece utópico trazer à discussão estudo feito pela Universidade de Michigan, há umas duas décadas, a pedido do governo de Israel, que queria orientação sobre como trabalhar nas escolas com crianças superdotadas. O estudo mostrou que essas crianças eram especialmente indicadas para uma formação especial, que partisse do princípio de que todo conhecimento, para chegar ao cérebro humano, tem de passar obrigatoriamente por um dos sentidos - visão, audição, tato, olfato, paladar. Por isso, seria preciso investir no que o estudo chamou de "educação sensual", que passe por um deles, já que "a ciência só florescerá na mente de pessoas sensíveis e emocionais".
Um dos exemplos citados era o de um grande pianista, que contava haver passado, quando pequeno, horas de cada dia debaixo da cauda de um piano tocado pela mãe pianista - acostumou-se, nessa prática, a sentir na pele cada nota do piano, como se fosse uma gota de água que caísse. Outro cientista - um químico especializado em ligas metálicas - narrou que passava horas de olhos fechados imaginando-se atropelado por um trem em alta velocidade, ou um asteroide, para poder avaliar e imaginar a resistência da liga que buscava. Albert Einstein, quando pesquisava as relações entre gravidade, velocidade e tempo, imaginava-se dentro de um elevador que subia e descia, com um raio de luz pulando para a frente e para trás.
Há claras opções preferenciais a fazer: investimento maior e prioritário em educação, preferência para as faixas de menor renda, escolas de tempo integral como as sugeridas por Darcy Ribeiro, dotações maiores para a área científica. Se for possível, chegar também ao requinte da "educação sensual"...
(*) Jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário