Manuel Dutra (*)
Nos dias de hoje ainda ouço a voz pausada do general Geisel, a voz metálica do general Figueiredo, a promessa solene de Maluf, (Collor nada disse), mas FHC o disse em duas campanhas, e Lula disse em quatro: “meu governo (o deles!!!) concluirá a Santarém-Cuiabá”. Na década de 50 JK já dissera o mesmo. Não faz muito tempo, foi a vez de Marina Silva, a atual candidata a presidenta: "Nós conseguimos impedir o asfaltamento de uma grande rodovia na Amazônia". ******************************************************************************
Este artigo eu publiquei do Diário do Pará em 2002. Quase uma década depois, não perde a sua atualidade, como, aliás, as demais realidades da Amazônia, onde coisas velhas permanecem aí como se novas fossem.
“Meu pai trocou o Marajó pelo Baixo Amazonas aos 18 anos, depois que meu avô ouviu umas conversas de que haveria emprego farto na construção de uma estrada de ferro por aquelas bandas."
Meu pai morreu em 1997 com 92 anos e a Santarém-Cuiabá ficou pela metade, chão raspado, poeira total no verão e lama intransponível no inverno. Nas suas margens, dezenas de milhares de famílias, roçados, fazendas e vários municípios há pouco criados, a despeito do isolamento.
Para os que não conhecem o assunto, é preciso dizer que aquela estrada já existe há mais de 30 anos, o que falta é concluí-la dentro do território paraense, extensão de cerca de 800 quilômetros não asfaltados.
A primeira “conversa” de que se tem notícia, de construir uma estrada ligando o Centro do Brasil à Bacia Amazônica, data de 1851, quando Augusto Leverger, Barão de Melgaço, na qualidade de presidente da Província de Mato Grosso, informou ao Imperador Pedro II sobre o traçado de uma ferrovia que se propusera estudar o Imperial Corpo de Engenharia, para comunicar os dois pontos do território brasileiro, a partir das vilas de Santarém e de Cuiabá.
Outras “conversas” podem ser datadas: 1864, 1865, 1878, 1880, 1883, 1893 e 1895. Neste último ano o Congresso Estadual do Pará autorizou o governador Lauro Sodré a contratar uma empresa para a construção de uma linha férrea entre o Pará e o Mato Grosso.
Desse ano até 1997 podemos conferir 40 outros momentos em que se anunciou a construção da estrada ou adoção de medidas a respeito do projeto que, aos poucos foi virando projeto de rodovia.
A ideia de ligação do Centro Oeste ao coração da Amazônia, porém, é bem mais antigo. Os registros das primeiros expedições partindo da região central em direção ao Pará levam a 1747, viagens que hoje nos parecem loucuras, transpondo cachoeiras, descobrindo rios, contactando grupos indígenas, encontrando ouro e pedras preciosas onde séculos depois seriam os imensos garimpos do Tapajós e adjacências.
As primeiras projeções visavam ao transporte fluvial, depois à ferrovia e, por fim, à rodovia e, novamente por fim, o inacabamento de um projeto, ou mais uma ilusão de gerações e gerações daqui e de lá que, a despeito do abandono, travam contato comercial há mais de 250 anos, quando carregavam fardos em canoas rústicas e nas costas nas transposições dos alagados e corredeiras. Por esse aspecto, o coração da Amazônia acha-se, relativamente, ligado ao coração do Brasil há 2 séculos e meio.
Nos dias de hoje ainda ouço a voz pausada do general Geisel, a voz metálica do general Figueiredo, a promessa solene de Maluf, (Collor nada disse), mas FHC o disse em duas campanhas, e Lula disse em quatro: “meu governo (o deles!!!) concluirá a Santarém-Cuiabá”. Na década de 50 JK já dissera o mesmo.
Ano passado li que “o Ministério do Meio Ambiente realiza oficina para consolidar as ações para o plano de desenvolvimento sustentável na área de influência da rodovia Cuiabá-Santarém”. E que a ministra Marina Silva esteve presente à “oficina”, quando declarou:
"É o primeiro experimento de fazer uma estrada com governança na Amazônia" (O que será isso?!).
Num programa de TV em rede nacional, disse a mesma ministra:
"Nós conseguimos impedir o asfaltamento de uma grande rodovia na Amazônia".
A mentira agora, pelo menos, está explícita. A secular idéia da estrada, ao contrário do que pensam alguns, tem menos a ver com Santarém e com Cuiabá do que com a geopolítica centralista dos governos do Brasil. Integrar o território amazônico ao país, por trilho ou asfalto, é algo até agora inaceitável para as elites do poder maior da Avenida Paulista ou, com mais crueza, do Porto de Santos, ambos apoiados por fortes bancadas no Congresso.
E a questão ambiental? A verdade, como já dito, é que a estrada já existe e lá vivem milhares de famílias, bem ou mal produzindo. Se o asfaltamento ou os trilhos são fatores de penetração da agressão ambiental, então a nossa geração nada mais tem a fazer.
Se somos uma sociedade incapaz de impor a lei em todo o espaço nacional, fracassamos. Para terminar: a agressão ambiental já está implantada ao longo da BR-163, com toda a poeira do verão e a lama das invernadas. Talvez com asfalto ou trilho será (será?) mais fácil impedir ou diminuir a agressão...”
(*) Jornalista, professor universitário com especialização em Educação Ambiental e mestrado em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido,
Nos dias de hoje ainda ouço a voz pausada do general Geisel, a voz metálica do general Figueiredo, a promessa solene de Maluf, (Collor nada disse), mas FHC o disse em duas campanhas, e Lula disse em quatro: “meu governo (o deles!!!) concluirá a Santarém-Cuiabá”. Na década de 50 JK já dissera o mesmo. Não faz muito tempo, foi a vez de Marina Silva, a atual candidata a presidenta: "Nós conseguimos impedir o asfaltamento de uma grande rodovia na Amazônia". ******************************************************************************
Este artigo eu publiquei do Diário do Pará em 2002. Quase uma década depois, não perde a sua atualidade, como, aliás, as demais realidades da Amazônia, onde coisas velhas permanecem aí como se novas fossem.
“Meu pai trocou o Marajó pelo Baixo Amazonas aos 18 anos, depois que meu avô ouviu umas conversas de que haveria emprego farto na construção de uma estrada de ferro por aquelas bandas."
Meu pai morreu em 1997 com 92 anos e a Santarém-Cuiabá ficou pela metade, chão raspado, poeira total no verão e lama intransponível no inverno. Nas suas margens, dezenas de milhares de famílias, roçados, fazendas e vários municípios há pouco criados, a despeito do isolamento.
Para os que não conhecem o assunto, é preciso dizer que aquela estrada já existe há mais de 30 anos, o que falta é concluí-la dentro do território paraense, extensão de cerca de 800 quilômetros não asfaltados.
A primeira “conversa” de que se tem notícia, de construir uma estrada ligando o Centro do Brasil à Bacia Amazônica, data de 1851, quando Augusto Leverger, Barão de Melgaço, na qualidade de presidente da Província de Mato Grosso, informou ao Imperador Pedro II sobre o traçado de uma ferrovia que se propusera estudar o Imperial Corpo de Engenharia, para comunicar os dois pontos do território brasileiro, a partir das vilas de Santarém e de Cuiabá.
Outras “conversas” podem ser datadas: 1864, 1865, 1878, 1880, 1883, 1893 e 1895. Neste último ano o Congresso Estadual do Pará autorizou o governador Lauro Sodré a contratar uma empresa para a construção de uma linha férrea entre o Pará e o Mato Grosso.
Desse ano até 1997 podemos conferir 40 outros momentos em que se anunciou a construção da estrada ou adoção de medidas a respeito do projeto que, aos poucos foi virando projeto de rodovia.
A ideia de ligação do Centro Oeste ao coração da Amazônia, porém, é bem mais antigo. Os registros das primeiros expedições partindo da região central em direção ao Pará levam a 1747, viagens que hoje nos parecem loucuras, transpondo cachoeiras, descobrindo rios, contactando grupos indígenas, encontrando ouro e pedras preciosas onde séculos depois seriam os imensos garimpos do Tapajós e adjacências.
As primeiras projeções visavam ao transporte fluvial, depois à ferrovia e, por fim, à rodovia e, novamente por fim, o inacabamento de um projeto, ou mais uma ilusão de gerações e gerações daqui e de lá que, a despeito do abandono, travam contato comercial há mais de 250 anos, quando carregavam fardos em canoas rústicas e nas costas nas transposições dos alagados e corredeiras. Por esse aspecto, o coração da Amazônia acha-se, relativamente, ligado ao coração do Brasil há 2 séculos e meio.
Nos dias de hoje ainda ouço a voz pausada do general Geisel, a voz metálica do general Figueiredo, a promessa solene de Maluf, (Collor nada disse), mas FHC o disse em duas campanhas, e Lula disse em quatro: “meu governo (o deles!!!) concluirá a Santarém-Cuiabá”. Na década de 50 JK já dissera o mesmo.
Ano passado li que “o Ministério do Meio Ambiente realiza oficina para consolidar as ações para o plano de desenvolvimento sustentável na área de influência da rodovia Cuiabá-Santarém”. E que a ministra Marina Silva esteve presente à “oficina”, quando declarou:
"É o primeiro experimento de fazer uma estrada com governança na Amazônia" (O que será isso?!).
Num programa de TV em rede nacional, disse a mesma ministra:
"Nós conseguimos impedir o asfaltamento de uma grande rodovia na Amazônia".
A mentira agora, pelo menos, está explícita. A secular idéia da estrada, ao contrário do que pensam alguns, tem menos a ver com Santarém e com Cuiabá do que com a geopolítica centralista dos governos do Brasil. Integrar o território amazônico ao país, por trilho ou asfalto, é algo até agora inaceitável para as elites do poder maior da Avenida Paulista ou, com mais crueza, do Porto de Santos, ambos apoiados por fortes bancadas no Congresso.
E a questão ambiental? A verdade, como já dito, é que a estrada já existe e lá vivem milhares de famílias, bem ou mal produzindo. Se o asfaltamento ou os trilhos são fatores de penetração da agressão ambiental, então a nossa geração nada mais tem a fazer.
Se somos uma sociedade incapaz de impor a lei em todo o espaço nacional, fracassamos. Para terminar: a agressão ambiental já está implantada ao longo da BR-163, com toda a poeira do verão e a lama das invernadas. Talvez com asfalto ou trilho será (será?) mais fácil impedir ou diminuir a agressão...”
(*) Jornalista, professor universitário com especialização em Educação Ambiental e mestrado em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido,
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