Sandro Vaia (*)
A secretária dos Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, é uma personagem bastante peculiar. Como aquele neurótico Sherlock Holmes contemporâneo da série de TV “Elementary”, chega sempre alguns quilômetros antes dos fatos, deduz e decreta suas verdades antes que as provas as confirmem.
Com uma diferença: esse Sherlock moderno, antipático e arrogante, acerta quase sempre as suas deduções, por mais rocambolescas que sejam, e a ministra dificilmente dá uma dentro.
A primeira vez foi quando houve uma corrida a bancos no interior do Nordeste num final de semana porque alguém teria espalhado o boato de que o Bolsa Família ia acabar, e as pessoas tentaram se precaver fazendo saques em massa.
Antes de saber o que tinha acontecido, a ministra Sherlock sacou de sua lupa, examinou e, através do Twitter, deixou de lado o bom senso e as boas regras da concordância, e decretou: "Boatos sobre o fim do bolsa família deve (sic) ser coisa da central de notícias da oposição".
Quando a Caixa Econômica Federal informou que tudo havia sido provocado por um erro de seu próprio sistema operacional, a ministra Sherlock saiu de fininho e não reconheceu nem ao seu caro Watson -- no caso da série moderna, a sua cara Watson, já que o sábio doutor virou mulher -- que tinha cometido uma gafe elementar.
Agora a ministra saiu correndo na frente dos fatos novamente.
Todo mundo conhece a história: um jovem chamado Kaíque Augusto, homossexual de 17 anos, foi encontrado morto nos baixos de um viaduto no centro de São Paulo, e alguém viu no caso, antes que a polícia se manifestasse oficialmente, um bárbaro crime de ódio homofóbico.
Que militantes de uma causa saíram a clamar vingança antes de certificar-se do que de fato aconteceu, é até compreensível. Afinal, são militantes. Alguns deles vivem para isso e outros tiram disso seu sustento político-eleitoral.
Que uma autoridade pública de nível ministerial se dispa de sua responsabilidade moral e da liturgia do cargo para vestir a camisa de seu time, como se o governo fosse uma arquibancada pessoal, é simplesmente inconcebível.
Ao saber das primeiras suspeitas da família, que falava em assassinato, e das primeiras manifestações indignadas da militância, Maria do Rosário não se deu ao luxo de usar a prudência e assinou, sem nenhuma cautela, uma nota manifestando solidariedade à família de Kaíque, "assassinado brutalmente no último sábado".
Nenhuma dúvida, nenhuma vacilação, nem sequer o benefício da suspeita: a certeza absoluta do crime hediondo. E para espicaçar um pouco o governo de um adversário político, a informação de que a Secretaria "está acompanhando o caso junto às autoridades estaduais, no intuito de garantir a apuração rigorosa do caso e evitar a impunidade".
Uns dias depois a família reconheceu que, como suspeitava a polícia, Kaíque havia cometido suicídio.
Desculpas da secretária Sherlock? Nem pensar. Jogo político. Elementar, minha cara Watson.
(*) É jornalista. Foi editor do Jornal da Tarde
A secretária dos Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, é uma personagem bastante peculiar. Como aquele neurótico Sherlock Holmes contemporâneo da série de TV “Elementary”, chega sempre alguns quilômetros antes dos fatos, deduz e decreta suas verdades antes que as provas as confirmem.
Com uma diferença: esse Sherlock moderno, antipático e arrogante, acerta quase sempre as suas deduções, por mais rocambolescas que sejam, e a ministra dificilmente dá uma dentro.
A primeira vez foi quando houve uma corrida a bancos no interior do Nordeste num final de semana porque alguém teria espalhado o boato de que o Bolsa Família ia acabar, e as pessoas tentaram se precaver fazendo saques em massa.
Antes de saber o que tinha acontecido, a ministra Sherlock sacou de sua lupa, examinou e, através do Twitter, deixou de lado o bom senso e as boas regras da concordância, e decretou: "Boatos sobre o fim do bolsa família deve (sic) ser coisa da central de notícias da oposição".
Quando a Caixa Econômica Federal informou que tudo havia sido provocado por um erro de seu próprio sistema operacional, a ministra Sherlock saiu de fininho e não reconheceu nem ao seu caro Watson -- no caso da série moderna, a sua cara Watson, já que o sábio doutor virou mulher -- que tinha cometido uma gafe elementar.
Agora a ministra saiu correndo na frente dos fatos novamente.
Todo mundo conhece a história: um jovem chamado Kaíque Augusto, homossexual de 17 anos, foi encontrado morto nos baixos de um viaduto no centro de São Paulo, e alguém viu no caso, antes que a polícia se manifestasse oficialmente, um bárbaro crime de ódio homofóbico.
Que militantes de uma causa saíram a clamar vingança antes de certificar-se do que de fato aconteceu, é até compreensível. Afinal, são militantes. Alguns deles vivem para isso e outros tiram disso seu sustento político-eleitoral.
Que uma autoridade pública de nível ministerial se dispa de sua responsabilidade moral e da liturgia do cargo para vestir a camisa de seu time, como se o governo fosse uma arquibancada pessoal, é simplesmente inconcebível.
Ao saber das primeiras suspeitas da família, que falava em assassinato, e das primeiras manifestações indignadas da militância, Maria do Rosário não se deu ao luxo de usar a prudência e assinou, sem nenhuma cautela, uma nota manifestando solidariedade à família de Kaíque, "assassinado brutalmente no último sábado".
Nenhuma dúvida, nenhuma vacilação, nem sequer o benefício da suspeita: a certeza absoluta do crime hediondo. E para espicaçar um pouco o governo de um adversário político, a informação de que a Secretaria "está acompanhando o caso junto às autoridades estaduais, no intuito de garantir a apuração rigorosa do caso e evitar a impunidade".
Uns dias depois a família reconheceu que, como suspeitava a polícia, Kaíque havia cometido suicídio.
Desculpas da secretária Sherlock? Nem pensar. Jogo político. Elementar, minha cara Watson.
(*) É jornalista. Foi editor do Jornal da Tarde
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