Marina Silva (*)
Temos 123 anos de República, com um caminho de dificuldades mas sem interrupção, reafirmada em plebiscito, há quase 20 anos, pela maioria dos brasileiros.
Desde o plebiscito, vimos mais avanços que retrocessos. A regularidade das eleições, a estabilidade da moeda, a lei de responsabilidade fiscal, a diminuição da miséria, todas as lentas porém contínuas melhorias econômicas e sociais fortaleceram a República em sua essência: coisa pública, de todos, suporte da igualdade e da diversidade.
Talvez neste momento seja mais intensa a necessidade de reafirmar a República e, ao mesmo tempo, repensá-la para além do formato rudimentar que mantém no Brasil. Por dois motivos: o questionamento do bipartidarismo e o julgamento, pelo STF, de práticas políticas dominantes que se confundem com o próprio sistema político.
A polarização entre dois partidos, mantida artificialmente em 20 anos de ditadura, sufocou historicamente a expressão de uma diversidade enriquecedora. Desde as forças regionais ligadas a particularidades culturais até as vanguardas urbanas, as várias possibilidades de alianças entre movimentos sociais e suas bandeiras históricas --como a reforma agrária-- e as novas propostas de desenvolvimento sustentável, tudo fica submetido a uma divisão forçada, um alinhamento automático na companhia incômoda das oligarquias.
Quando caiu o império soviético, cantou-se a vitória de seu rival norte-americano. Em poucos anos vimos que, na verdade, a polarização mundial sustentava a ambos. O vencedor também declinou, dando lugar a um mundo mais plural e policêntrico. Não tenho dúvidas de que o bipartidarismo no Brasil também atrasa a democracia plena.
Quanto ao julgamento do chamado mensalão, tem sido a oportunidade para que o Poder Judiciário, na histórica e rápida presidência de Ayres Britto, faça distinções ainda obscuras no cenário brasileiro: a diferença entre governo e Estado, a separação entre os bens públicos e privados, a independência dos três Poderes e seu equilíbrio no regime democrático, o imperativo da impessoalidade e publicidade nos atos oficiais, a igualdade de todos perante a lei e muitos outros valores essenciais da República que aprendemos na teoria, mas raramente vemos na prática.
Com essas lições essenciais de democracia e justiça nossa República pode evoluir. E precisa, pois os desafios que tem pela frente são maiores que os enfrentados até aqui.
A superação das formas de autoritarismo e de corrupção é pré-requisito para encarar o tsunami social, que mostra sua violência, e as mudanças ambientais que podem assumir proporções catastróficas.
Esses são desafios que ameaçam, mais que à República, a própria civilização.
(*) Ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010.
Temos 123 anos de República, com um caminho de dificuldades mas sem interrupção, reafirmada em plebiscito, há quase 20 anos, pela maioria dos brasileiros.
Desde o plebiscito, vimos mais avanços que retrocessos. A regularidade das eleições, a estabilidade da moeda, a lei de responsabilidade fiscal, a diminuição da miséria, todas as lentas porém contínuas melhorias econômicas e sociais fortaleceram a República em sua essência: coisa pública, de todos, suporte da igualdade e da diversidade.
Talvez neste momento seja mais intensa a necessidade de reafirmar a República e, ao mesmo tempo, repensá-la para além do formato rudimentar que mantém no Brasil. Por dois motivos: o questionamento do bipartidarismo e o julgamento, pelo STF, de práticas políticas dominantes que se confundem com o próprio sistema político.
A polarização entre dois partidos, mantida artificialmente em 20 anos de ditadura, sufocou historicamente a expressão de uma diversidade enriquecedora. Desde as forças regionais ligadas a particularidades culturais até as vanguardas urbanas, as várias possibilidades de alianças entre movimentos sociais e suas bandeiras históricas --como a reforma agrária-- e as novas propostas de desenvolvimento sustentável, tudo fica submetido a uma divisão forçada, um alinhamento automático na companhia incômoda das oligarquias.
Quando caiu o império soviético, cantou-se a vitória de seu rival norte-americano. Em poucos anos vimos que, na verdade, a polarização mundial sustentava a ambos. O vencedor também declinou, dando lugar a um mundo mais plural e policêntrico. Não tenho dúvidas de que o bipartidarismo no Brasil também atrasa a democracia plena.
Quanto ao julgamento do chamado mensalão, tem sido a oportunidade para que o Poder Judiciário, na histórica e rápida presidência de Ayres Britto, faça distinções ainda obscuras no cenário brasileiro: a diferença entre governo e Estado, a separação entre os bens públicos e privados, a independência dos três Poderes e seu equilíbrio no regime democrático, o imperativo da impessoalidade e publicidade nos atos oficiais, a igualdade de todos perante a lei e muitos outros valores essenciais da República que aprendemos na teoria, mas raramente vemos na prática.
Com essas lições essenciais de democracia e justiça nossa República pode evoluir. E precisa, pois os desafios que tem pela frente são maiores que os enfrentados até aqui.
A superação das formas de autoritarismo e de corrupção é pré-requisito para encarar o tsunami social, que mostra sua violência, e as mudanças ambientais que podem assumir proporções catastróficas.
Esses são desafios que ameaçam, mais que à República, a própria civilização.
(*) Ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010.
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