sábado, 1 de outubro de 2011

Um rato na sopa

Sebastião Gil de Lalor Imbiriba [simbiriba@gmail.com]

Cai um rato em tua sopa. Que fazes, retiras o rato e tomas a sopa ou jogas tudo fora?
Basta um rato, apenas um, para contaminar o caldo todo. No caso da magistratura brasileira, não se trata de somente um ratinho, um camundongo. Desde sua criação, há cerca de seis anos, são quarenta ou mais magistrados punidos pelo Conselho Nacional de Justiça. Em pauta para julgamento estão acima de vinte magistrados, número pequeno diante dos milhares de juízes, desembargadores e ministros do sistema judiciário do país, mas apenas a ponta do enorme iceberg da corrupção que grassava, até agora, inconteste. 
Foi apenas com a criação do CNJ que surgiu uma tênue esperança de que o Poder encarregado de fazer cumprir a Lei e dar exemplo de Moralidade possa finalmente servir ao povo desta nação.

Há um caso aberrante em curso no STF. A corajosa conselheira Eliana Calmon, corregedora nacional de justiça, inconformada com a imoralidade corrente no judiciário, num desabafo perante jornalistas, declarou a respeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Associação dos Magistrados do Brasil contra o poder do CNJ de julgar e punir magistrados: "Acho que é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga".

O julgamento da ADI estava na pauta da última quarta-feira (28/09/2001), mas seu relator, o ministro Celso de Mello, considerou que não havia clima para julgar a questão, por conta da polêmica causada pelas declarações da ministra Eliana Calmon. É lastimável que se procrastine na solução de tão grave problema. Mais uma vez, o Judiciário atenta contra os valores máximos do serviço público, os princípios da administração pública, entre estes, especificamente, contra a transparência, isto é, a publicidade, e contra a moralidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu Artigo 37º, prescreve os seguintes princípios: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. A estes, podemos acrescentar outros, que a teoria do Direito consagra: Isonomia, Motivação, Finalidade, Razoabilidade, Autotutela e Interesse Público. Em um estado democrático de direito, no rol dos quais o Brasil pretende se inserir em toda plenitude, estes princípios são da mais absoluta importância. Tal estado não existe sem Legalidade e sem Moralidade, das quais derivam os demais princípios.

Glasnost e Perestroika significam transparência, isto é, publicidade, e reconstrução, que pode ser interpretada como eficiência. Pois foi exatamente a falta destes princípios que provocou a autodestruição da União Soviética. Onde não há transparência, onde os atos do poder público se articulam nos conchavos mais recônditos, não há moralidade, a corrupção se alastra, o corpo administrativo apodrece, é a falência do Estado.

A AMB tenta esvaziar os poderes do CNJ. Seu presidente, Nelson Calandra, afirma que o CNJ se transformou em tribunal de exceção “avançando sobre as atribuições do Judiciário e demais poderes para realizar julgamentos sumários e punir magistrados de forma arbitrária”. O que de fato pretende a AMB é o retorno ao status quo ante CNJ, em que o corpo jurisdicional era julgado por si próprio e, por isso mesmo, muito raramente alguém era condenado. Quando acontecia, o era com penas absolutamente inócuas tais como a condenação ao ócio regiamente remunerado. É neste antro de imoralidade que o espírito de corpo da magistratura pretende se esconder.

Pois foi justamente esta insuportável imoralidade que conduziu a nação brasileira a instituir o Conselho Nacional de Justiça, órgão ainda fraco diante das necessidades, do tamanho e das dificuldades da tarefa a ser realizada. A nação deve se postar em defesa intransigente do CNJ. E, se o STF, por alguma firula constitucionalista, der ganho de causa à imoralidade pretendida pela AMB, o povo brasileiro deve se erguer e forçar o Legislativo a promulgar emenda constitucional que dê plenos poderes ao Conselho Nacional de Justiça.

O que Eliana Calmon disse publicamente, falando por todos os brasileiros, é que não aceitamos ratos em nossa sopa.

(*) Professor e Historiador santareno 

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