Opinião do Estadão
O ministro do Esporte, Orlando Silva, do PC do B, atribuiu ao seu antecessor e ex-correligionário Agnelo Queiroz, que se filiou ao PT e se elegeu governador do Distrito Federal, a responsabilidade pela escolha de duas organizações não governamentais (ONGs) criadas pelo PM João Dias Ferreira para executar, mediante convênio, projetos no âmbito do programa Segundo Tempo, destinado a proporcionar a prática de esportes a crianças e jovens carentes. No ano passado, o policial foi preso por suspeita de participação no desvio de R$ 1,99 milhão daqueles contratos. Ele, por sua vez, acusa o ministro de envolvimento pessoal com as fraudes, cujo produto seria canalizado para o caixa 2 do PC do B. A defesa de Orlando Silva é primária. Se é verdade que, na condição de secretário executivo da pasta, foi instruído pelo chefe a assinar um convênio com João Dias, o fato é que nada mudou depois que ele se tornou ministro; ou melhor, as irregularidades no Esporte ficaram mais evidentes.
Debatendo-se no centro das denúncias, Orlando Silva procura ainda assumir o papel de moralizador anunciando o fim dos convênios com ONGs para o Segundo Tempo. Nenhum dos 11 contratos do gênero, a vencer no próximo ano, será renovado. Mas ele fala como se a escolha das entidades não guardasse qualquer relação com as mutretas que o escândalo trouxe à luz ou que já haviam sido expostas. Em 2010, conforme o Estado revelou em fevereiro, o Ministério repassou R$ 30 milhões a ONGs de membros e aliados do PC do B.
O que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União têm apurado não deixa dúvida de que a fraude, tosca e rasteira, é a regra. O TCU descobriu um caso em que cerca de 90% dos gastos correspondem a "atos impróprios". Trata-se de um convênio de R$ 2 milhões entre o Ministério do Esporte e a Federação dos Trabalhadores no Comércio (Fetracom) para atender 5 mil crianças do Distrito Federal. A auditoria só encontrou 348 crianças - e mazelas em profusão.
A presidente Dilma Rousseff tem razão ao dizer que "existem ONGs e ONGs". Mas o número daquelas criadas para se apropriar de recursos públicos, não raro com a cumplicidade das mesmas autoridades que deveriam zelar por eles, é assombroso. Diante disso, a presidente se viu na obrigação de alertar recentemente os seus ministros para que filtrem as ONGs interessadas em se conveniar com o Executivo. Foi o que ela contou em Pretória, na África do Sul, onde participa da cúpula do Ibas, que reúne o país anfitrião, o Brasil e a Índia, ao comentar a mais recente denúncia de corrupção no seu governo, que ela disse estar acompanhando atentamente. "Tem que se fazer uma chamada pública, tem de apurar se a ONG existe há mais de três anos", explicou. E não pode haver nenhuma possibilidade de convênio com ONG "que tiver incorrido em alguma falha, seja qual for".
Dilma deixou clara a sua preferência por governos estaduais e prefeituras como parceiros da administração federal, porque as ONGs "são menos formais" em matéria de controles internos. O paradoxo é que os convênios com as ONGs aumentaram substancialmente já no governo Fernando Henrique, na expectativa de limitar a influência dos interesses políticos locais ou regionais na execução de programas de alcance social. A preocupação é legítima e a alternativa seria válida se os Ministérios não fechassem os olhos para a proliferação de ONGs de fachada ou, como tudo indica ser o caso do Esporte, não fizessem arranjos espúrios com elas. Menos mal que os ministros agora tenham de assinar, eles próprios, os convênios de suas pastas, o que os torna diretamente responsáveis pelos contratos - e as associações contratadas. "Em muitos momentos do passado houve convênios com ONGs mais frágeis", reconheceu Dilma, em um eufemismo para não usar um termo mais forte.
Nossas considerações, porém, não simplificam o seu problema. Com a Copa do Mundo no horizonte, não há como ela preservar o ministro Orlando Silva. A sua capacidade de impor seus pontos de vista aos donos da Fifa, que já é pequena, ficaria ainda mais reduzida. E o Brasil não fez tanta força para sediar a mais popular competição do globo para passar vergonha.
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