José Cruz (*)
O hoje advogado e pós-graduado em Comércio Exterior e Direito Esportivo, Alan Pessotti foi atleta de natação, integrando a delegação brasileira em várias competições internacionais. Capixaba, ele nadou pelo Vasco, Flamengo e na Itália. Especialista nos 100m peito, o auge de sua carreira foi entre 1996 e 2000, uma época em que a limitação dos recursos para o esporte contrasta com a fartura de agora.
A partir de um comentário sobre a realização dos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, sugeri que Pessotti escrevesse sobre a importância do evento para o nosso contexto esportivo. O texto está a seguir, e o autor aborda o que aqui muito se discute: a pressão dos cartolas, as cobranças de clubes e patrocinadores, o ufanismo da imprensa diante de eventos nem sempre expressivos e, também, a “meritrocracia” usada pelo COB para a distribuição dos recursos da Lei Piva.
Confiram o texto:
Estive nos Jogos Pan-americanos de Winnipeg em 1999 como atleta da natação. Voltei sem medalha, pois tive uma contusão na virilha, durante a fase de aclimatação, nos Estados Unidos.
Na ocasião, era atleta do Flamengo e fazíamos nove sessões semanais de treinos. Já na tal aclimatação passamos para 12, o que certamente causou a minha contusão. Aliás, estávamos lá gastando a verba do COB sem a mínima necessidade, pois não havia um fuso-horário considerável.
Mas o que uma mera contusão tem a ver com a real importância dos Jogos Pan-americanos? Tudo. Ela tem a ver com a pressão colocada pela Confederação nos treinadores por resultados (o que fez com que meu técnico se equivocasse na parte final do treinamento). Os clubes pressionavam os atletas para demonstrar seu poderio perante os rivais em um hipotético quadro de medalhas clubístico, enquanto o COB pressionava as Confederações. E hoje a situação deve estar ainda pior, pois um dos critérios para a distribuição de verbas públicas é o rendimento de cada modalidade no Pan.
Na época, minha preferência era ter participado das Universíades, competição muito mais forte e de nível realmente de altíssimo nível, perdendo em importância apenas para Olimpíadas e Mundial em piscina longa. Mas isto era impensável estando atrelado a um clube e submetido a vaidades de treinadores e dirigentes em uma época de disputas acirradas nos esportes olímpicos entre Vasco e Flamengo.
É bom sermos campeões, o povo gosta de ver o Brasil vencendo. Dá muito mais audiência um brasileiro vencendo uma competição de nível duvidoso do que sendo finalista em um campeonato mundial.
Mas falta ética para a grande parte da imprensa. No afã de maximizar os feitos brasileiros no Pan, simplesmente "esquece" de dizer quem são os adversários e, principalmente, quais adversários não estavam presentes.
Muitas vezes falta ética também aos próprios atletas e treinadores, que omitem à imprensa e patrocinadores a real amplitude das vitórias. O resultado deste ciclo vicioso é uma série de desculpas esfarrapadas nas Olimpíadas. Afinal, para quem era um fenômeno como virou um atleta normal em um ano?
A televisão, em maior grau dentre os veículos de comunicação, prima pelo ufanismo nacionalista e chega ao ponto de criar eventos pré-formatados para que o Brasil vença. De que vale um "Mundialito de Beach Soccer", "Jogos Mundiais de Verão", "Short Triathlon", "Desafio Internacional de Bolinha de Gude"? A resposta é muito simples: para o narrador poder chegar ao clímax berrando É DO BRASIL!!!!!!!!
Pão e circo? O pão no Brasil atual é equivalente às "bolsas" que o governo dá à população carente e o circo hoje é o esporte. Simples assim.
Alan Pessotti, 38 anos, é o atual recordista sul-americano master dos 50m e 100m peito, 100m medley, 4x50m livre e 4x50m medley; e 1º do ranking mundial master, em 2006, 2007 e 2008.
(*) Jornalista e que cobre há mais de 20 anos os bastidores da política e economia do esporte, acompanhando a execução orçamentária do governo, a produção de leis e o uso de verbas estatais na área esportiva.
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