Trinta anos atrás, o ainda vetusto jornal "O Estado de S.Paulo" estampava em sua contracapa o título acima, bastante ousado para a época e para o jornal, encabeçando todo o noticiário sobre a morte do ex-Beatle em Nova York.
Não tinha como não lembrar agora daquele título, mesmo depois de tanto tempo, por dois motivos: um, fui eu que o criei e, dois, eu fiquei muito, muito chocado com a morte de Lennon naquele momento, naquelas circunstâncias.
O "recomeçar" do título referia-se, aqui também, a duas coisas: um, ao nome da principal música do novo álbum de Lennon, que estava sendo lançado ("Starting Over", ou seja, recomeçar ou começar de novo) e também remetia ao momento mesmo que o músico estava experimentando em sua vida e carreira.
Até o dia da morte de Lennon, o novo álbum dele e de Yoko Ono, "Double Fantasy", não havia sido lançado no mercado brasileiro. Mas poucos privilegiados haviam recebido a chamada cópia de divulgação, normalmente distribuída a jornalistas, críticos, emissoras de rádio.
Eu me encontrava entre os felizardos e estava absolutamente encantado com o disco, ouvindo-o dia e noite. Não apenas pela beleza e qualidade de músicas como a própria "Starting Over" ou a maravilhosa "Beautiful Boy", entre outras, mas pelo que o conjunto todo significava em termos da carreira de John Lennon de de sua representação no mundo naquele início de anos 80.
Lennon havia sido o Beatle mais barulhento, ativo, e interventivo da sociedade "pós-sonho", cujo final ele mesmo havia anunciado anos antes. Seu último trabalho datava já de cinco anos antes e se resumia na verdade a uma coletânea, cujo carro-chefe era o "hino" "Give Peace a Chance", "Dê uma Chance para a Paz".
Nestes cinco anos de intervalo, nada ou quase nada se sabia de Lennon e quase nada mais se falava de suas maluquices estético-musicais com Yoko. Estava quieto no seu canto novaiorquinho, criando o filho Sean (cinco anos à época) e certamente pensando, pensando. E o que ele pensou e pensou surgiu resumido em "Double Fantasy", um disco romântico, lindo, intimista, otimista, que fala de amor pela mulher, amor pelo filho, de esperança e paz.
Daí o choque profundo quando aquele débil mental que provavelmente nunca mais sairá da cadeia resolveu dar cinco tiros no peito de John.
Acertou o coração de muita gente, inclusive o meu.
Depois de toda a agitação dos anos 70 e do vácuo que naturalmente surgiu no final daqueles anos loucos, a balada de Lennon então sugeria uma linha de pensamento totalmente calma, equilibrada, doce. Uma doçura e uma calma que estava se buscando para contrapor, por exemplo, ao estertores do punk, do dark e do gótico que nos enchia o coração de mágoa e dor e tristeza.
Mas olha só, dizia Lennon em "Beautifull Boy", fique ligado porque "vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos".
O toque era o seguinte: com amor, doçura e postura a gente é capaz de se reinventar e, quem sabe, começar de novo...
Não, disse o infeliz do Mark Chapman, não há mais chance para a paz, acabou, dançou e, recomeçar, John Lennon e todos aqueles que acreditaram no mundo bom e justo que havia ficado para trás com o sonho hippie, nunca mais.
Se os anos 80, como dizem, foi a década perdida, certamente ela começou a se perder ali, naquela calçada em que o corpo de Lennon tombou, 30 anos atrás.
Desde então muita, mas muita gente mesmo está procurando alguma coisa sem saber exatamente o que...
(*) Jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa da Folha de São Paulo.
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