Luiz Fernando Verissimo
O Internacional de Porto Alegre tinha um torcedor chamado Charuto. Era um negro de idade indefinida que fazia parte do folclore do clube, tanto que o deixavam entrar no estádio sem pagar. E quando o Inter jogava em outro estádio, não faltavam torcedores dispostos a pagar sua entrada. O Charuto estava invariavelmente bêbado. E não via o jogo. Ficava de costas para o campo, fazendo um interminável discurso para a torcida, no qual a única palavra inteligível era "coroau", a sua maneira de dizer "colorado". Eu, garoto, era fascinado por aquela figura de colorado em estado puro. Ele também fazia uma paródia inconsciente de empolação vazia e retórica que não significava nada, mas isso, na época, eu não saberia identificar. Para mim ele era apenas parte integral da nossa torcida. Onde estivesse o "coroau", lá estava o Charuto.
Muitos anos mais tarde, entrevistando o centroavante Claudiomiro, este me surpreendeu com a revelação de que não gostava muito de futebol. Jogava, se envolvia, mas, fora isso, simplesmente não acompanhava o esporte. Me lembrei do Charuto, que nunca olhava para o campo, provavelmente nem sabia quem era o adversário do Inter e dificilmente lia jornal ou ouvia rádio para saber dos campeonatos e das campanhas do seu time. Sua paixão pelo Internacional independia de qualquer entorno — o Internacional era, para ele, para todos os efeitos, uma abstração. O objeto de um amor perene e incondicional. Ganhasse ou perdesse.
Ser um torcedor como era o Charuto nos livraria do sofrimento como o de terça em Abu Dhabi. Amar apenas a ideia do Internacional e esquecer os detalhes seria uma bênção. Mas estamos nesta enrascada emocional: não podemos abandonar nossa paixão, que é irracional, e ao mesmo tempo não podemos deixar de ter raiva do time que nos aprontou esta. Claro, a raiva passa, o amor continua. Nenhum torcedor do mundo — salvo, talvez, hoje, o do Barcelona — está livre destas oscilações. Mas que foi duro ver o goleiro do Mazembe fazer aquela sua dança sentada sem pensar em assassinato, foi.
Vi o Barcelona ganhar de 5 a zero da Real Sociedad, há dias. Não faz muito, tinha goleado o Real Madrid pelo mesmo escore. Como se sabe, o Barcelona é a seleção espanhola, campeã do mundo, reforçada pelo Messi. Para desilusão, enfado com o futebol, vontade de se dedicar ao handball ou desencanto generalizado com a vida, recomenda-se ver o Barcelona jogar. Se possível, várias vezes por dia.
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