quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Estando bom para todas as partes

Bellini Tavares de Lima Neto (*)

Problemas podem ser solucionados das mais variadas formas. Depende de quem é o agente solucionador. Diz a historinha popular e maldosa que, chegando a casa, um sujeito encontrou a mulher atracada com um outro camarada bem no sofá da sala. Irado, o sujeito tomou uma medida drástica: jogou fora o sofá. Ninguém pode negar que seja uma providência, mesmo que não pareça muito eficiente. Eu, por exemplo, tenho uma coordenação motora digna de um rinoceronte, se é que um rinoceronte tem problemas de coordenação motora. É que o bicho é tão desengonçado que, o mínimo que deveria ser é descoordenado. Por conta dessa minha atrapalhação, eu já martelei o dedo diversas vezes. Vou pregar alguma coisa, seguro o prego com a mão esquerda e o martelo com a outra mão esquerda (nós, descoordenados, temos duas mãos esquerdas e a única exceção são os canhotos, que tem duas direitas). E, quase que invariavelmente, sento o martelo no dedo. Aí, também invariavelmente, xingo, balanço o dedo no ar, coloco a vítima na boca e fico com uma vontade danada de jogar o martelo longe. É uma providência ou, no mínimo, um desabafo. Como, no entanto, já aprendi com o sujeito da mulher atracada com o outro, que jogar o sofá no lixo não resolve, tenho optado apenas por ofender toda a família da ferramenta e esperar passar a dor da martelada.

Pode-se adotar as mais diversas modalidades de solução ou providência. “Solução” talvez nem seja a palavra adequada já que, como é claro, nada se resolve dessa maneira. Acaba, mesmo, se tornando só uma atitude protocolar, uma providência que se toma ou levado pelo impulso da raiva, como é o caso da martelada no dedo, ou pela imposição social, como parece ser o que move o marido traído a se desfazer do sofá pecador. Já devo ter comentado alguma vez que minha avó por parte de pai colocava os objetos de castigo. Se, por exemplo, ela desse uma topada numa cadeira ou aplicasse uma joelhada em uma mesinha de centro, imediatamente colocava a peça de cabeça para baixo. E lá deixava por algum tempo. Se chegasse alguém, ela simplesmente explicava que aquilo era um castigo. Imagino que, no mínimo, a raiva se amenizava já que uma topada de pé numa cadeira, especialmente no inverno, é motivo mais do que plausível para se provocar um massacre em série. Meu pai, para se vingar do som da campainha do nosso apartamento que, de fato, era um tanto estridente, resolveu, num ímpeto, desligar os fios e colar, bem embaixo da agressora, um pedaço de esparadrapo com uma advertência singela: “Não funciona”. Tivesse ele optado por trocar a campainha, agora eu não teria a história para contar.

Lá pelo inicio dos anos setenta criou-se aqui pelas bandas do planeta-Brasil, uma fórmula de solução para um problema que começava a se agravar. Trata-se da explosiva proliferação de faculdades de direito. Advocacia é uma profissão atraente pelos mais variados aspectos, dentre eles o financeiro. Embora haja um considerável contingente de profissionais que luta desesperadamente pela sobrevivência, há uma outra significativa parcela que se dá muito bem. Portanto, criar uma faculdade de direito pode ser um alto negócio. Alie-se a isso o fato de que, diferentemente de outros segmentos, uma faculdade de direito não exige investimentos tão pesados, gastos com laboratórios e coisas assim. E, de certa forma, é um dos cursos que permite seja atendido à noite, depois da jornada de trabalho. O resultado dessas fatores foi que as escolas de direito se proliferaram. E a qualidade do ensino seguiu na direção inversa. As iniciais “F” e “D” passaram a significar “fábrica de diploma”. Imagine-se o tipo de profissional que era despejado no mercado de trabalho. 
E, como se procurou resolver o problema? Fiscalizando as escolas, zelando pelo direito do aluno de não ser ludibriado por um curso abaixo da crítica e salvaguardando a sociedade da ação dos espertalhões que, mesmo sabendo do descaramento das escolas de quinta categoria, optavam por cursá-las assim mesmo e se habilitar a tomar o dinheiro dos incautos sem muito esforço? Não, não! Optou-se por jogar fora o sofá da sala. 

Criou-se o exame a que o bacharel está obrigado a se submeter para que o curso que atendeu e pelo qual, na maioria dos casos, pagou, lhe permita trabalhar, exercer a profissão. As escolas de fundo de quintal continuam por aí, proliferando e multiplicando o número de desavisados que caem no “conto do bacharel”, seja o próprio, seja o cliente.

Eis que, ainda recentemente, a mídia começa a divulgar que o sofá corre risco de novo. Agora é a vez das escolas de medicina. Descobriu-se que existe por aí uma porção de recém formados tratando apendicite quando o sujeito reclama de dor de garganta ou se desculpando depois por ter extraído testículos em lugar de amígdalas. O problema, segundo os entendidos, é culpa do péssimo nível de ensino de algumas dessas faculdades de medicina que começam a proliferar fazendo concorrência nem sempre muito leal aos seus colegas da área jurídica. Para resolver o problema, exame nele!

No meio disso tudo, tem uma pergunta que eu não consigo responder ou, no mínimo, não consigo escolher a resposta mais adequada: será que questão se deve a uma característica genética do pais em buscar soluções como a do homem do sofá? Ou o fato de que, graças aos tais exames, apareceram os cursinhos preparatórios para o exame, tem alguma coisa a ver com esse tipo de solução?

De quebra, ainda fica o problema desse tanto de sofás que é jogado fora e acaba entupindo os rios, os bueiros e tudo mais.

(*) Advogado , avô recente e morador em S. Bernardo do Campo (SPO). Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com.


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