sábado, 18 de dezembro de 2010

O ciclo Dilma

Cristovam Buarque (*)

A política, como a história, ocorre em ciclos. O Brasil atravessa um ciclo de consolidação da democracia com pequenos avanços socio-assistenciais: uma Social Democracia tímida (SDt) e também atrasada em relação às exigências do futuro. Desde a última inflexão histórica, ao sair da ditadura para a democracia e da inflexão com a estabilidade monetária.

A partir daí, Fernando Henrique Cardoso e Lula fizeram dois governos com avanços no crescimento com estabilidade e com pequenos avanços na distribuição da renda. O Brasil avançou, mas dentro do mesmo ciclo.

O crescimento econômico não mudou o perfil do produto para bens de alta tecnologia, nem com respeito ecológico; a ligeira distribuição de renda não quebrou o apartheid-social, não promoveu igualdade de oportunidade; as cidades não ficaram mais pacíficas, nem a política menos corrupta.

Com a corrupção na política, o endividamento das famílias, a ineficiência tecnológica e a apropriação do ensino superior público por apenas uma parcela rica da população, não será difícil a sedução do eleitor por candidato que defenda a moralidade, a cobrança nas universidades estatais, suspensão dos programas de transferência de renda, com seus recursos dirigidos para investimentos na infra-estrutura.

Vinte e cinco anos de um único modelo, com avanços, mas com tantas lacunas, é tempo suficiente para o esgotamento.

A presidente Dilma tem a chance de dar início a um novo ciclo; caso contrário será a última do ciclo atual. Se ela não avançar em reformas que signifiquem inflexões positivas, corre o risco de ver as propostas do atual ciclo se esgotando e o próximo pleito elegendo governos conservadores, ou caindo no “esquerdismo” ou no “populismo”. O primeiro não respeitará os avanços socio-assistenciais, os outros não respeitarão a responsabilidade fiscal. Isto para não citar o risco catastrófico de opções antidemocráticas.

Em vez da última do ciclo da Social Democracia tímida (SDt) o governo Dilma pode ser o primeiro de um novo ciclo que libere o país das amarras que sofre para uma Social Democracia Transformadora (SDT). Para isto, seu governo precisa fazer as inflexões necessárias e ir além do crescimento tradicional, com estabilidade monetária e bolsas.

É preciso fazer uma reforma política; implantar medidas para blindar o poder público contra a corrupção; criar mecanismos para o controle da violência; reorientar o processo produtivo para zelar pelo equilíbrio ecológico; fomentar uma economia baseada no conhecimento da ciência e da tecnologia; fazer o SUS funcionar a contento; promover a superação do “custo Brasil” decorrente de regras corporativas e de insuficiência na infra-estrutura econômica; e, sobretudo, a mãe de todas estas reformas, promover uma revolução na educação de base. Tudo isto, com respeito às regras democráticas e com responsabilidade fiscal.

De todas estas mudanças, a única que permitirá a presidente Dilma deixar sua marca na história do Brasil, como uma JK do século XXI, será iniciar o processo de transformação radical da educação de base, em dois aspectos: qualidade média equivalente a dos países mais modernos e educados; e a mesma chance de acesso à qualidade para cada brasileiro, independente da renda da família e da cidade em que mora.

O caminho é fazer com que todas as 200 mil escolas do Brasil tenham, pelo menos, a qualidade das atuais cerca de 200 escolas federais. Para isto, será necessário implantar a Carreira Nacional do Magistério e um programa federal de qualidade escolar, em horário integral.

Estes dois programas não são suficientes, nem darão seus resultados plenos em todo o Brasil durante um ou mesmo dois mandatos. Mas se tomar as medidas certas para promover a ruptura no triste quadro da tragédia educacional brasileira, a nova presidente será não apenas a primeira presidente mulher, mas também a primeira para um novo tempo: o ciclo Dilma.

(*) Professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PDT/DF

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