Bellini Tavares de Lima Neto (*)
Há uma porção de coisas que me fascinam. Propagandas antigas estão nessa lista. É claro que existe, aí, uma dose de saudosismo. Afinal, sujeito que diz que não tem absolutamente nada de saudosista ou é porque nasceu há mais ou menos duas décadas ou se enquadra na categoria dos que costumam viajar de avião: os que têm medo e os mentirosos. Quem é o individuo nascido há, pelo menos umas quatro décadas que não se recorda daqueles menininhos indo dormir cada um com uma velinha na mão, espontaneamente, sem precisar que a mamãe mandasse, porque, afinal, tinham um cobertor que ficou famoso por conta da musiquinha? Ou, ainda, o “soy loca por pipoca e guaraná”, o “Urashima Taro” que ficava com saudade da terra natal e voava de volta nas asas da falecida de triste memória? Ou “seu Cabral” que vinha navegando. Isso tudo e muito mais tem o poder mágico de levar o “durão” de volta a uma infância, adolescência, juventude que, nem que seja escondido, arranca uma lagrimazinha ou, no mínimo, um suspiro do empedernido.
Eu, no entanto e de minha parte, estava pensando em coisa um pouco mais passada. Embora goste muito dessas propagandas todas, o que me fascina, mesmo, são aquelas que ganharam o nome de “reclames”, as que eram transmitidas pelo rádio. Sem qualquer demérito à televisão, convenhamos que, com imagem a tarefa fica, no mínimo, um pouco mais simples. Difícil, mesmo, era convencer o consumidor a comprar isto ou aquilo só com a voz impostada do locutor, com os diálogos, com as músicas que ganharam o nome de “jingles”. Quanta mulher não se embelezou por anos a fio usando Ponds? E quantos não se aliviaram com as Pílulas do Dr. Ross, que “cuidavam da saúde de todos nós”. E as rosas que desabrochavam com a luz do sol, enquanto a beleza das mulheres, com o creme Rugol? A Senhora Dona Tosse invariavelmente largava o bocal do telefone e fugia espavorida quando a ligação era atendida pelo Xarope São João. Há quem colecione essas preciosidades. Eu mesmo, cá entre nós, tenho um bocado de arquivos no computador com essas musiquinhas todas, que levavam o “querido ouvinte” a comprar, usar ou, de qualquer outro jeito, atender ao desejo do criador dos “reclames” do rádio e seus clientes. Só no talento, sem o poder da imagem, essa turma, certamente, conseguiu sucesso em cima do sucesso, caso contrário não teria merecido tanto patrocínio e atravessado o tempo.
A força da propaganda é incalculável. Não é a toa que se fala muito na história de propaganda subliminar. Contava-se, por exemplo, que certa vez uma indústria de bebidas se uniu a uma empresa produtora de filmes e enfiou, entre os quadros de imagens do celulóide, uma mensagem publicitária com o nome do refrigerante. O resultado é que, depois de ter assistido, por exemplo, à queda do Império Romano, o sujeito saía do cinema louco para tomar o tal refrigerante. Poderoso, não? A arte de divulgar e de vender parece que não tem fronteiras nem limites. Vai ao infinito. Mesmo que, às vezes, alguém possa não pegar a mensagem na primeira vez. Ainda recentemente a televisão andou veiculando um filmezinho que me deixou confuso. Vi e revi algumas vezes e confesso que não conseguia me convencer de que tinha entendido direito a mensagem. Até que saiu o segundo filmezinho da série. Um sujeito está em casa, sentado, se não me engano, à frente de um computador, quando chega sua esposa. O cidadão levanta a cabeça, olha para a moça, mal responde ao seu cumprimento e passa a observá-la atentamente. E, de repente, descobrindo o que observava, pergunta a ela: “Querida, você cortou os cabelos?” E, diante do espanto da moça, ele completa: “ah, só as pontinhas, né?” Eis, então, que vem a mensagem publicitária, alguma coisa parecida com “nem que um absurdo qualquer acontecesse, um marido ou namorado teria esse grau de sensibilidade e percepção”. Ou seja, a sensibilidade do camarada é ainda mais improvável que qualquer absurdo que possa acontecer.
Tudo, então, ficou claro. O filmezinho anterior vai na mesma linha. Só que, em lugar do marido prestimoso e atento, a cena é a de um jovem que, andando pelos corredores da escola, percebe que o professor deixa cair um papel de sua pasta. Ao apanhar o papel, descobre que se trata do gabarito da prova do dia seguinte. O constar do que se trata, garoto imediatamente vira o rosto, diz em voz alta que não pode olhar aquilo, corre atrás do professor até alcançá-lo e entrega a folha. Nessa hora vem a mensagem publicitária mostrando que seria mais provável um absurdo sem conta ocorrer em vez de um aluno encontrar o gabarito da prova e entregar ao professor sem ler e se aproveitar daquilo. Não consigo me lembrar o que é anunciado nesse filmezinho. Seguramente, capacidade ou convicção de que os brasileiros são capazes de um ato de honestidade, isso não deve ser. E deve dar certo, caso contrário ninguém pagaria para alguém montar uma coisa dessas e veicular na televisão. E no horário nobre. Irônico, não, usar a palavra “nobre” numa historinha dessas?
(*) Advogado , avô recente e morador em S. Bernardo do Campo (SPO). Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com.
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