segunda-feira, 12 de março de 2012

A renúncia de Teixeira

O futebol brasileiro acaba de deixar de ser uma capitania hereditária. A renúncia de Teixeira marca o fim de 40 anos de domínio dos Havelanges. Foram 40 constrangedores anos…

Cosme Rímoli (*)

A CBF deixa de ser, a partir de hoje capitania hereditária.
A renúncia de Ricardo Teixeira coloca um fim ao poder dos Havelanges.
Somando João Havelange com Teixeira dá um total absurdo.
Foram 40 anos de domínio.

Havelange fez o que quis do futebol por 17 anos.
E depois passou o poder a Teixeira, que ficou mais 23.
O único mérito de Ricardo Terra Teixeira foi ter sido genro.
Nada mais.

O futebol brasileiro caiu no seu colo.
Ele não tinha e nunca teve o menor preparo para tanto poder.
Havelange teceu uma poderosa rede de aliança.
Acabou presidente da Fifa.

Teixeira apenas deitou na cama preparada por Havelange.
Sua maior característica foi a truculência.
E a ganância para deixar a CBF riquíssima.
Aproveitou-se como ninguém da melhor fase do futebol brasileiro.

Foi o presidente com mais conquistas dentro de campo.
O acaso o ajudou.
Nunca entendeu ou tinha vocação para o futebol.
Foi um mero oportunista.

Não iria viras as costas a tudo que o sogro estava lhe oferecendo.
O futebol brasileiro foi um sucesso dentro do campo.
Mas um fracasso fora deles.
A esmagadora maioria dos clubes brasileiros está falida.

Teixeira nunca se importou em brigar por uma legislação que responsabilizasse os dirigentes pelos desmandos em seus clubes.
Pelo contrário.
Ele promovia o caos para controlar a todos emprestando dinheiro.
Ou atuando com sua grande parceira, a TV Globo na antecipação do dinheiro de transmissão dos jogos.

Teixeira também fez de gato e sapato os presidentes das federações estaduais de futebol.
Os homens que poderiam lhe derrubar deviam favores indecentes ao mandatário.
Ele os controlava também com dinheiro.
Empréstimos e favores, como incluir Estados na Copa do Mundo.

Se aproveitou como ninguém da seleção brasileira.
Conseguiu a façanha de contratar uma empresa a Kentaro.
Com capital israelense e sediada em Londres, ela organiza os amistosos do selecionado.
E tem uma única obrigação: repassar dois milhões de dólares à CBF.


O que lucrar é da Kentaro.
Por isso amistosos surreais como contra o Gabão e a Bósnia.
A CBF tem um patrimônio que beira os R$ 100 milhões.
Como conseguiu tanto dinheiro com os clubes na falência?

Explorando a imagem da seleção.
Os patrocinadores despejam dinheiro no selecionado.
Como a Nike e a Ambev, que foram os grandes alicerces de Teixeira.
Durante 23 anos, escândalos para todos os gostos.

Em 1994, foi acusado de trazer toneladas de equipamentos para sua casa noturna, El Turfe.
Foi no voo em que voltou a seleção brasileira tetracampeã do mundo.
O retorno dos Estados Unidos foi conhecido como o Voo da Muamba.
Teve de apelar para senadores e deputados federais do Brasil...

E vários advogados para se livrar de uma CPI.
Seu principal entrave foi detalhar o contrato da seleção com a Nike.
Sob o seu comando, houve o escândalo Ives Mendes, quando o chefe do Comitê de Arbitragem pedia ajuda para sua candidatura política.

O ex-presidente do Corinthians, Alberto Dualib, ofereceu os famosos "um, zero, zero".
E tudo que é ruim pode e fica pior.
Veio Edilson Pereira de Carvalho, juiz que ganhava dinheiro para manipular resultados.
O Brasileiro de 2005 foi um vexame para o País.

Aos trancos e barrancos, Teixeira ia se aguentando na CBF.
Seu sonho era suceder Blatter na Fifa.
Os dois eram grandes amigos.
Até Teixeira cometer o maior erro de sua vida.

Em 2011 ele resolveu apoiar o presidente da Confederação Asiática de Futebol, Mohammed Bin Hammam.
Traiu Blatter.
Tentou voltar atrás quando percebeu a bobagem que cometeu.

Mas aí era tarde.
O presidente da Fifa tinha um enorme trunfo.
O escandalo ISL.
Uma empresa suíça de marketing esportivo tinha o desejo de espalhar o seu domínio pelo mundo.

E, de acordo com a imprensa inglesa, teria subornado alguns dirigentes para isso.
De uma vez só teria dado dinheiro para João Havelange e Ricardo Teixeira.
Mais de R$ 17,6 milhões a cada um.
Descoberto o escândalo, os dois teriam feito um acordo.

Devolveriam o que pegaram à Justiça suíça e tudo seria encerrado.
Só que a Fifa teria os documentos que provariam o suborno aceito.
A divulgação oficial seria a desmoralização total dos dirigentes.
O Comitê de Ética do Comitê Olímpico Internacional examinava o caso.

E estava resolvendo expulsar Havelange.
Ele resolveu renunciar e o processo no Comitê de Ética foi arquivado.
Alegou problemas de saúde e abdicou.
Depois de 48 anos no comitê.

Com a queda de Havelange ficou claro que Teixeira seria facilmente abatido.
Até porque ele sempre contou com a rejeição da presidente Dilma Rousseff.
Ela o queria longe da Copa de 2014.
E não aceitava sequer ser vista a seu lado.

Deu toda a força para a Polícia Federal investigar o rumoroso caso do amistoso entre Brasil e Portugal.
Ele teria recebido dinheiro do jogo superfaturado.
A denúncia nasceu da TV Record.
O cerco se fechava em torno de Teixeira.

Colocou Ronaldo como escudo no Comitê Organizador Local.
Mas de nada adiantou, a rejeição só cresceu.
Em relação ao dirigente e ao ex-jogador.
Teixeira quis fazer seu sucessor Andres Sanchez, mas não teve tempo.

A pressão estava forte demais.
Blatter teria ameaçado tornar pública a sua participação no escândalo ISL.
Teixeira trouxe a Copa para o Brasil.
Mas se tornou o grande estorvo para a realização da competição.

E muito mais: a marca registrada da falta de credibilidade e repugnância à própria seleção.
A Polícia Federal resolveu também investigar um suposto depósito do presidente do Barcelona, Sandro Rosell, na conta de sua filha Antônia.
A menina tem 11 anos...
Seus órfãos, Andrés Sanchez, Mano Menezes e Ronaldo estão em choque.

O sargento Garcia prendeu Zorro, Andrés...
O novo presidente José Maria Marin assume.
Mas quem vai mandar será Marco Polo del Nero, presidente da FPF.
A princípio os dois prometem cuidar bem dos órfãos corintianos.

A princípio...
Ricardo Teixeira sai por onde merece.
Pela porta de trás da história.
Deixando como um resumo do que representou, a entrevista que deu à revista Piauí.

Vale a pena nunca esquecer o que disse.
Palavras que ficarão na história.
Na lápide de Ricardo Terra Teixeira.

“Meu amor, já falaram tudo de mim: que eu trouxe contrabando em avião da seleção, a CPI da Nike e a do Futebol, que tem sacanagem na Copa de 2014.
É tudo da mesma patota, UOL, Folha, Lance, ESPN, que fica repetindo as mesmas merdas”
“ Não ligo para o que sai na Record. Só vou ficar preocupado, meu amor, quando sair no Jornal Nacional”.

“Não vai ter isso, não: está tudo sob controle”. (Sobre combinação de perguntas em entrevista com a Globo. A resposta foi a um executivo da empresa Match, que negocia pacotes de hospedagem para a Copa, sobre se haveria perguntas sobre os preços dos ingressos de 2014)
“Eu vou infernizar a vida deles. Enquanto eu estiver na CBF, na Fifa, onde for, eles não entram” (Sobre a BBC)
“Dele, eu não deixo passar nada. Outro dia, recebi um dinheiro dele. Mas eu doo para a caridade. Na próxima que ganhar, vou publicar no site da CBF um agradecimento” (Sobre Juca Kfouri)

“Ele está trabalhando para a Record” (sobre Garotinho)
“Não ligo. Aliás, caguei. Caguei montão. O neguinho do Harlem [bairro pobre nova-iorquino] olha para o carrão do branco e fala: ‘quero um igual’. O negro não quer que o branco se foda e perca o carro. Mas no Brasil não é assim. É essa coisa de quinta categoria” (sobre acusações de corrupção)
“Pegava duas novelas e o Jornal Nacional, você sabe o que é isso?” (Sobre remarcação de jogo Brasil x Argentina em 2001 para as 19h45, em retaliação a um Globo Repórter com denúncias sobre ele)
“Quanto mais tomo pau da Record, fico com mais crédito com a Globo”

“A imprensa brasileira é muito vagabunda... Não leio mais porra nenhuma, a vida ficou leve para cacete, tá muito bom”
“A imprensa é a maior culpada de tudo isso. Por ser toda paulista, passou três anos tentando enfiar goela abaixo o Morumbi. Com isso, atrasaram todos os projetos” (sobre atrasos na Copa em SP)
“Em 2014, posso fazer a maldade que for. A maldade mais elástica, mais impensável, mais maquiavélica. Não dar credencial, proibir acesso, mudar horário de jogo. E sabe o que vai acontecer? Nada. Sabe por quê? Porque eu saio em 2015. E aí, acabou”
"Caguei. Caguei de montão"

(Este é o seu melhor resumo...
Sobre o que fez de melhor nos 23 anos comandando o futebol brasileiro).

(*) Jornalista esportivo. Atuou por 22 anos no Jornal da Tarde (SP) 

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