Opinião do Estadão
A convivência cordial e respeitosa entre líderes, mesmo que adversários, é mostra de civilização e exemplo de inestimável importância a estimular o amadurecimento político da sociedade. Foi o que fez, com elogiável elegância, franqueza e até mesmo coragem, a presidente Dilma Rousseff, em mensagem enviada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso por ocasião das comemorações de seu octogésimo aniversário. Depois de oito anos em que a tônica das manifestações do então chefe do governo em relação a seu antecessor primaram pela vulgaridade da terminologia e pela falsificação dos conceitos, a mensagem de Dilma a FHC tem o efeito de uma suave aragem sobre a cena política brasileira e sinaliza, num tom irrepreensivelmente digno, que o populismo rasteiro das apelações demagógicas do tipo "herança maldita" pode fazer parte do passado.
Depois de homenagear Fernando Henrique com elogios que se poderiam considerar protocolares numa mensagem de congratulações, Dilma Rousseff escancarou a intenção de restabelecer a verdade dos fatos sempre negada por seu antecessor e por seu partido ao atribuir a FHC a condição de "ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação e o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica".
Trata-se, verdadeiramente, de uma mudança da água para o vinho na qualidade do relacionamento do governo petista com seus principais opositores e uma demonstração clara de que a presidente da República está suficientemente segura de suas posições e possibilidades à frente do governo para não temer o diálogo civilizado com a oposição: "Não escondo que nos últimos anos tivemos e mantemos opiniões diferentes, mas, justamente por isso, maior é minha admiração pela sua abertura ao confronto franco e respeitoso de ideias".
No exato momento em que luta para superar a primeira crise política séria de seu governo, que culminou com a demissão do ministro Antonio Palocci, e, aparentemente, faz um esforço para demonstrar que é perfeitamente capaz de manter com pulso forte e livre de tutelas o comando da situação, a divulgação da mensagem de Dilma a FHC pode ser interpretada também como um recado muito claro a todos aqueles que, no governo e no PT, ainda não se deram conta de que os tempos são outros.
De fato, se desejasse apenas cumprir um dever protocolar, Dilma não precisaria ter-se alongado em referências elogiosas à militância política do jovem Fernando Henrique nem à importância do governo tucano para a construção do País que o lulopetismo se habituou a apresentar como obra exclusivamente sua: "Quero aqui destacar também o democrata. O espírito do jovem que lutou pelos seus ideais, que perduram até hoje. Esse espírito, no homem público, traduziu-se na crença do diálogo como força motriz da política e foi essencial para a consolidação da democracia brasileira em seus oito anos de mandato".
Até agora o antecessor de Dilma e a maioria dos petistas vinham convivendo, sem nenhum constrangimento, com a negação da evidência de que as conquistas econômicas e sociais do povo brasileiro são o resultado de uma longa e incansável luta de muitos anos para cujo êxito foi e continua sendo necessária a participação de todas as forças vivas da Nação. Daqui para a frente, continuar negando essa evidência significará bater de frente com a posição tão claramente manifestada pela presidente da República. Será muito interessante observar a maneira como o antecessor de Dilma e seus seguidores mais fiéis se comportarão doravante, diante dessa questão que, para eles, agora se tornou melindrosa.
O mais provável é que procurem esquecer, mesmo que se torne impossível ignorar o que lhes pode estar parecendo um requinte de insensatez - a forma como Dilma encerrou sua mensagem ao "inimigo do povo" Fernando Henrique Cardoso: "Querido presidente, meus parabéns e um afetuoso abraço". "Afetuoso", definitivamente, é demais... Fosse outra a personagem envolvida, Lula poderia recorrer a um de seus chavões prediletos: "Não sei como uma pessoa de estudo é capaz de dizer essas coisas".
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