Augusto Nunes (*)
Surpreendido pela divulgação do relatório da Polícia Federal sobre o mensalão, que ampliou o número de integrantes e o acervo da bandalheiras da quadrilha, o ex-presidente Lula perdeu de novo a pose e a voz. Achou melhor guardá-las para duas palestras pagas em dólares e proibidas para jornalistas — uma em Washington, outra em Acapulco — e um encontro (sem remuneração em dinheiro) com banqueiros internacionais na Cidade do México. Nesta terça-feira, depois do acesso de mudez que o livrou da imprensa na véspera, embarcou num jatinho alugado rumo aos Estados Unidos e mandou avisar que só estará de volta no fim de semana.
O ilusionista terá cinco dias para planejar o próximo ato do interminável espetáculo da mentira — e preparar o próximo truque . O estoque vai chegando ao fim. Desde julho de 2005, quando o país foi confrontado com o pai de todos os escândalos, Lula já pediu desculpas por não ter enxergado o mensalão, já se declarou traído sabe-se lá por quem, já procurou transformar roubalheira em caixa 2, já tentou reduzir crimes hediondos a erros corriqueiros, já jurou que o mensalão não existiu – até decidir, há um ano e meio, que tudo não passou de uma invencionice forjada pela oposição para derrubar o governo. E prometeu apurar a trama assim que deixasse a Presidência.
Em 5 de novembro de 2009, numa entrevista ao repórter Kennedy Alencar, caprichou na imitação de detetive de filme classe C para impressionar os espectadores da RedeTV! com a frase enigmática: “Essa história de mensalão é uma das muitas histórias que ainda não estão devidamente esclarecidas e explicadas. Quando estiver fora do governo, eu vou me dedicar a estudar o caso até entender o que realmente aconteceu”.
Se tivesse lido a denúncia do procurador-geral Antonio Fernando Souza, trataria de manter-se distante do tema de altíssima voltagem. Se conhecesse o conteúdo do processo que corre no Supremo Tribunal Federal, não teria embarcado na falácia irresponsável. Se pressentisse a aproximação do relatório da Polícia Federal, teria procurado Kennedy Alencar para retirar o que disse. Ou por sobra de autoconfiança ou por falta de juízo, segue na trilha que leva ao penhasco.
Oficialmente, Lula ainda não comentou o relatório por ignorar-lhe o teor. Como não teve acesso ao documento, mandou dizer por um assessor de imprensa que só poderia falar mais tarde. Quem jamais leu um livro dificilmente encontrará ânimo para a travessia das 332 páginas que resumem as descobertas dos investigadores. Mas decerto pediu que alguém lesse em voz alta o noticiário dos jornais. Descobriu que a bravata declamada em 2009 foi implodida de vez pela Polícia Federal. E soube que o bando de mensaleiros ficou um pouco maior.
Ficou também um pouco pior para quem sempre alegou não ter visto nem ouvido nada que o alertasse para a roubalheira arquitetada nas salas ao lado ou um andar acima do gabinete no Planalto. A turma que acaba de subir ao palco inclui, por exemplo, o notório Freud Godoy, amigo e ex-segurança de Lula, que confessou aos investigadores da Polícia Federal ter embolsado dinheiro do propinoduto administrado por Marcos Valério.
Lula está dispensado de investigar o falso enigma. Ele sabe o que houve. Sempre soube. Se acaso esqueceu alguns detalhes da grande farra de 2005, basta convocar para uma noitada de drinques e conversas os companheiros Delúbio Soares, José Genoíno, Freud Godoy e mais dois ou três comparsas. Com José Dirceu como convidado especial, naturalmente.
(*) Jornalista e Ex-Diretor do Jornal do Brasil, do Jornal Gazeta Mercantil e Revista Forbes. Atualmente na Revista Veja.
Nenhum comentário:
Postar um comentário