Opinião do Estadão
Houve tempo em que dirigentes sindicais responsáveis faziam do dia 1.º de maio um momento de reflexão sobre os problemas que atormentavam os trabalhadores. Em muitos países, a data foi transformada no Dia do Trabalhador para homenagear aqueles que dedicaram a vida à defesa dos direitos de seus parceiros de trabalho. Nos últimos anos, porém, as centrais sindicais brasileiras transformaram o Dia do Trabalhador num pretexto para festas e discursos demagógicos, desvirtuando seu significado original.
Dinheiro para festejar não lhes falta. Além da generosa fatia a que têm direito na partilha do dinheiro extraído anualmente do bolso dos trabalhadores na forma de imposto sindical, o que lhes garante mais de R$ 100 milhões por ano, as centrais obtiveram patrocínio de empresas estatais e de algumas companhias privadas para realizar sua festança deste domingo.
Estima-se que as duas grandes festas das centrais sindicais em São Paulo - uma liderada pela Força Sindical, com o apoio de outras quatro entidades, outra preparada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) - custarão R$ 5 milhões.
Alguns artistas renomados, outros nem tanto, políticos e sindicalistas se apresentarão para cerca de 2 milhões de pessoas, atraídas não para discutir as grandes questões que afetam o mercado de trabalho e angustiam os trabalhadores, mas para ver seus artistas prediletos e concorrer a prêmios valiosos, como 20 automóveis novos.
Seria muito bom se a realidade justificasse tanta festa. As condições de trabalho e de vida no Brasil e no mundo mudaram radicalmente em relação àquelas que prevaleciam no fim do século 19, quando a data foi escolhida para homenagear os trabalhadores. E continuam a mudar para melhor. Mas problemas novos surgiram.
Nos últimos anos, o avanço da tecnologia na indústria e no setor de serviços e a internacionalização das atividades econômicas e financeiras impuseram mudanças profundas nas relações do trabalho, num processo de desregulamentação que enfraqueceu os vínculos formais entre empregador e empregado.
Com muito raras exceções, os líderes sindicais não entenderam as transformações no mundo do trabalho, no exterior e no Brasil. Continuam presos a velhas palavras de ordem, que repetem como se quisessem ter a sensação do cumprimento de seu dever. Há dias, os dirigentes das centrais sindicais apresentaram ao presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), a lista do que consideram prioritário. Os pontos são velhos conhecidos: redução da jornada de trabalho, eliminação do fator previdenciário e regulamentação do trabalho terceirizado.
Nada disseram sobre problemas graves do mercado de trabalho, que não lhes parecem causar preocupação. Alguns são tão antigos como o Brasil e outros são bastante recentes. Mas as lideranças sindicais parecem alheias às mudanças que ocorreram diante de seus narizes.
Pretendendo representar os trabalhadores em nome dos quais dizem atuar, na realidade as centrais representam, no máximo, metade dos brasileiros que vivem de seu trabalho. Dados recentes mostram que a informalidade no mercado de trabalho vem diminuindo, mas, ainda hoje, 51,5% das pessoas que vivem de seu trabalho não têm registro em carteira. Não contam com nenhum direito trabalhista e, por omissão dos sindicatos, não têm direito nem mesmo à sindicalização.
Os que mais precisam de apoio dos sindicatos são por estes inteiramente ignorados, como mostra o fato de terem sido surpreendidos pela recente onda de revoltas nos canteiros de obras de usinas hidrelétricas. Não sabiam o que ocorria em algumas das maiores aglomerações de trabalhadores do País.
Além disso, eles nada têm feito para treinar os trabalhadores de suas bases para as novas demandas do mercado de trabalho. Há empregos, mas é cada vez maior a falta de trabalhadores qualificados para ocupá-los. É preciso preparar os trabalhadores, mas, para os sindicatos, esse não é problema deles, como não são muitos outros. Por isso, a festa de Primeiro de Maio deixou de ser a festa dos trabalhadores para virar a festa das lideranças sindicais.
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