Dora Kramer (*) para O Estado de S.Paulo
Reportagem de Leandro Colon, publicada ontem no Estado, confirma o que já se intuía: movimentam-se na Câmara as forças do corporativismo com vistas a deixar por isso mesmo o flagrante em vídeo da deputada Jaqueline Roriz recebendo R$ 50 mil do operador e delator do esquema que derrubou José Roberto Arruda do governo do Distrito Federal.
Argumentos: primeiro, na época (2006), Jaqueline era deputada distrital e, portanto, se delito houve foi anterior ao atual mandato, o que por si só justificaria o encerramento do caso. Segundo, como a defesa da acusada alega que o dinheiro era destinado a financiamento de campanha e o uso de caixa 2 é prática geral e corriqueira, nenhuma razão haveria para punir alguém que fez o que todo mundo faz.
O mais grave nem é o cinismo. É a enorme chance de que esse tipo de argumentação acintosamente infratora acabe mesmo prevalecendo e a deputada Jaqueline Roriz não apenas continue na posse de seu mandato como ainda saia da história como vítima do sistema, cuja correção, nas palavras de sempre, depende de uma "urgente" reforma política.
No momento, pelo que propõe o Senado isso seria feito mediante a reserva de uma parte do Orçamento para financiamento público de campanhas.
A banalização do malfeito se disseminou de tal maneira que se perdeu de vez a vergonha. Ao defender Jaqueline Roriz, deputados alegam que, se ela for punida por ato anterior ao atual mandato e se o uso do caixa 2 (admitindo-se como verdadeira a tese da defesa) for considerado motivo de cassação, abre-se um precedente perigosíssimo.
Qual o "perigo"? Simplesmente o de a ampla maioria do Legislativo se tornar passível de punição por infrações semelhantes.
A fim de evitar o risco, decreta-se que o errado é o correto a fim de se oficializar a impunidade ampla e irrestrita.
É inacreditável que não percebam que esse tipo de justificativa faz da Câmara um colegiado de réus confessos, no mínimo do delito de perda completa de autoridade moral para o exercício da autofiscalização no tocante ao decoro.
Dão razão, assim, aos que defendem a transferência dessa prerrogativa para o Poder Judiciário. E depois reclamam da "judicialização" da política quando a Justiça intervém em prol da preservação dos mandamentos da Constituição.
Se colar. O deputado Tiririca, muito defendido pelos arautos do incontestável, cego, surdo e mudo respeito à escolha do eleitor, em dois meses de mandato contratou amigos no gabinete e usou a verba auxiliar ao exercício do mandato (que foi obrigado a devolver) para pagar estadia de resort em Fortaleza.
Em tempo recorde expôs o analfabetismo político dos que votaram nele pensando com isso exprimir protesto à desqualificação do Parlamento.
Adaptou-se rápido às deformações da Câmara, onde a palavra de ordem parece ser desfaçatez.
O presidente da Casa, Marco Maia, o primeiro-secretário, Eduardo Gomes, e o deputado Romário, assim como Tiririca, precisaram ser duramente criticados para perceber o que naturalmente deveriam saber: que dinheiro público tem dono e requer zelo no uso.
Maia e Gomes abriram mão das diárias e passagens e Romário desistiu da viagem oficial à Espanha em meio à qual foi incluído na agenda um jogo entre o Real Madrid e o Barcelona.
Não há mérito no recuo, mas sobra demérito no fato de suas excelências optarem por fingir desconhecer regras básicas a fim de se locupletarem todas.
Controle social
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, enviou um ofício à presidente Dilma Rousseff sugerindo que a Presidência crie um grupo de trabalho exclusivamente para fiscalizar e acompanhar a aplicação de R$ 25 bilhões que o Estado investirá em obras para a Copa do Mundo de 2014.
Por ocasião dos Jogos Pan-Americanos de 2007 no Rio de Janeiro, o orçamento inicial era de R$ 300 milhões e os gastos finais ultrapassaram R$ 4 bilhões.
(*) Jornalista
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