Kennedy Alencar (*)
É papel do jornalismo identificar diferenças entre os governos Dilma e Lula. Mas essa é uma tarefa com armadilhas que tendem a embaçar o diagnóstico.
No balanço dos cem dias, ao gosto do analista, falou-se em inflexão, mudança e guinada na política externa. Bastou o Brasil votar contra o Irã no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas).
No entanto, a viagem à China e a moderação do Itamaraty ao comentar a lenta transição cubana se encarregaram de mostrar que o discurso pelos direitos humanos será usado com seletividade. Fácil votar contra o Irã na ONU.
O país não tem a força econômica da China no cenário global nem as afinidades que Cuba possui como PT. Até Lula disse que estava certo o voto na ONU. O ex-ministro Celso Amorim foi um dos poucos a falar que a coisa era mais complicada.
A mudança na política externa, portanto, é bem menor do que apregoa o próprio governo.
Noutra área parece haver mais novidade: a política monetária é diferente. O Banco Central do governo Lula atuava de modo mais conservador e afinado com o mercado financeiro.
A política econômica como um todo é muito parecida, mas há um detalhe monetário que afeta mais a vida dos brasileiros do que a política externa.
Resumindo: o BC de Dilma resolveu peitar o mercado e aplicar uma política de juros gradualista para não sacrificar em excesso o crescimento da economia em 2011.
A reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) que terminou na última quarta-feira, dia 20/04, é evidência disso. O BC optou por elevar a Selic, a taxa básica de juros, de 11,75% para 12% ao ano. Por considerar que há uma grave ameaça inflacionária, a maior parte do mercado queria aumento de 0,5 ponto percentual.
O mercado financeiro está apostando contra o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. O mercado prevê que a inflação será maior do que diz o governo e que o dólar cairá mais do que diz o governo. Colocando suas fichas nisso, acha que ganhará mais dinheiro.
Para a economia, é salutar que o mercado acredite nas autoridades públicas e tome suas decisões em sintonia com as políticas oficiais. Quando o mercado vai no sentido oposto, o governo só tem uma opção: vencer a guerra. Se perder, a sociedade perde mais.
Tomara que Mantega e Tombini estejam certos. É ousada uma política monetária que não segue a cartilha do mercado financeiro, sempre disposto a elevar os juros reais que já são os mais altos do planeta. Nesse sentido, merece crédito a intenção de combinar o combate à inflação com a maior preservação possível do crescimento da economia. Soa interessante a ideia de uma meta de crescimento camuflada, digamos assim.
Mas, se a aposta do governo estiver errada, a inflação vai crescer mais do que deveria. O país arcará com um custo maior no futuro para combatê-la. E Dilma sofrerá os efeitos políticos de suas decisões.
(*) Jornalista e articulista da Folha de São Paulo. Apresenta o programa de entrevistas "É Notícia", da RedeTV!.
Nenhum comentário:
Postar um comentário