Resgatando e adaptando o termo cunhado por Edmar Bacha, nos anos 1970, do país fictício Belíndia, lanço a ideia de Brasíndia, contrafactual do agro brasileiro com produtividade e estrutura produtiva da Índia.
O agro em Brasíndia tem rendimento por hectare indiano. Nesse país, assumindo o mesmo volume produzido atualmente no Brasil, as principais lavouras (grãos, frutas, vegetais, cana-de-açúcar e mandioca) ocupariam 108 milhões de hectares, em vez dos 61 milhões hoje ocupados. Na Índia, essas mesmas lavouras ocupam cerca de 120 milhões de hectares.
A área de soja em Brasíndia seria de 51 milhões de hectares, em vez dos 24 milhões atuais. A de milho, outro produto que usa muita terra, seria de 22,7 milhões de hectares, e não de 14 milhões. A de cana-de-açúcar já estaria em mais de 10 milhões de hectares, e não nos 8,5 milhões. O feijão brasileiro, tão importante na nossa alimentação, teria 9 milhões de hectares, e não os 4 milhões atuais.
Assumindo uma área ocupada igual à atual (61 milhões de hectares), mas com produtividade indiana, o nível de produção seria sensivelmente menor. Nesse caso, a produção de soja e de milho em Brasíndia seria 57% e 39% menor. Para os níveis de produção de carne que o Brasil tem hoje, Brasíndia seria importadora de soja e milho.
Na cana-de-açúcar, a produção seria 109 milhões de toneladas menor, ou seja, Brasíndia produziria menos 15 milhões de toneladas de açúcar ou menos 8,5 bilhões de litros de etanol. Ou seríamos um exportador muito menor de açúcar, ou não haveria mistura de álcool anidro na gasolina. Manga, laranja e, sobretudo, maçã seriam produtos de luxo. Comeríamos mais bananas porque, grande exceção da amostra de produtos analisada, a produtividade na Índia é maior que no Brasil.
A dobradinha feijão com arroz custaria muito mais ao consumidor, porque a oferta desses produtos seria 55% e 26% menor. Curiosamente, a produção de leite em Brasíndia não seria muito diferente da do Brasil, pois a produtividade por vaca aqui e na Índia é parecida. Diferentemente dos setores agrícolas, a produção de leite no Brasil ainda tem muita eficiência a ganhar - talvez porque a produção de subsistência ainda seja relevante no setor.
As diferenças não estão só no volume produzido ou na área ocupada. As estruturas de produção do setor agrícola do Brasil e da Índia são inversas. A Índia tem cerca de 129,2 milhões de estabelecimentos rurais, ocupando uma área agrícola (sem incluir pastagens e vegetação nativa) de 158,3 milhões de hectares. O Brasil tem 5,2 milhões de estabelecimentos rurais, ocupando 72,6 milhões de hectares (sem incluir pastagens e vegetação nativa), e 330 milhões de hectares quando incluímos pastagens e florestas. A simples relação entre área e número de estabelecimentos já dá noção de que os dois países estão em mundos opostos.
Enquanto 83% e 41% do total de estabelecimentos e de área ocupada se concentram em propriedades menores que 2 hectares na Índia, para a mesma faixa no Brasil os valores são 20% e 0,3%; 47% e 97% do número de estabelecimentos e de área ocupada concentram-se nas propriedades maiores que 10 hectares no Brasil, na Índia essas propriedades praticamente não existem.
Os dados da estrutura produtiva saltam ainda mais aos olhos quando abertos por produto. Enquanto o tamanho médio do produtor de soja é de 72 hectares no Brasil, na Índia ele usa 0,7 hectare. O latifundiário indiano aparece na cana-de-açúcar, superando o módulo médio de 1,3 hectare. No Brasil, o tamanho médio na cana é de 29 hectares. No milho, que é um pouco menos distante, o tamanho médio é 6 hectares no Brasil e 1,8 hectare na Índia. Mesmo em frutas, em que a escala das unidades produtivas é naturalmente menor, o tamanho médio na produção de manga é o dobro no Brasil em comparação com a Índia. Apenas na batata encontramos propriedades maiores na Índia que no Brasil.
Em Brasíndia, para manter o nível de produção atual do Brasil, em vez de 193 mil estabelecimentos produzindo cana-de-açúcar, teríamos 4,2 milhões. Na soja, o número é difícil de acreditar: 216 mil ante 23,9 milhões. No arroz, os atuais 396 mil estabelecimentos não dariam conta e teríamos 2 milhões deles. No milho seriam três vezes mais chegando a 6 milhões de estabelecimentos. Haja produtor de arroz e milho pedindo ajuda ao governo federal!
Se, para alguns, ainda temos muita gente produzindo leite no Brasil, 1,3 milhão de estabelecimentos, em Brasíndia seriam necessários seis vezes mais estabelecimentos para dar conta da produção. Aqui, no Brasil, a média é de 9,4 vacas em lactação por estabelecimento produtor, ao passo que na Índia é de 1,5.
Brasíndia seria, de fato, uma grande e ineficiente fazenda, com muito mais terra alocada para agricultura e muito mais gente vivendo e produzindo mal no campo. Provavelmente estaríamos produzindo menos, exportando quase nada - para a felicidade de alguns -, a produção seria na sua grande maioria de base familiar e de subsistência, utilizadora de baixa tecnologia. A maior área alocada para produção levaria a uma maior conversão de vegetação natural, o que tornaria insustentável a manutenção de instrumentos como a reserva legal e, possivelmente, a criação de grandes reservas de conservação. O consumidor urbano estaria gastando mais de sua renda com alimentação e o contribuinte - como se não fossem a mesma entidade - não estaria contente com os subsídios que seria obrigado a dar ao setor agrícola.
É bom pensarmos em Brasíndia para nos darmos conta do que foi conquistado pelo agro brasileiro nas últimas décadas. Seja ele de base empresarial ou familiar, mas sempre com orientação comercial, é um modelo de agro que melhor atende ao objetivo de atacar a escassez de alimentos que se avizinha no mundo.
(*) Diretor Geral do Icone - E-Mail: http://AMNASSAR@ICONEBRASIL.ORG.BR
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