Os primeiros cem dias de governo Dilma receberam manifestações elogiosas.
A presidente é discreta, fala pouco, "desalinhou" o Brasil no apoio a alguns regimes autoritários e continua perseguindo sua imagem de gerente. Além disso, parece pouco afeita a adulações a políticos e congressistas.
O contraste com Lula é evidente. E, paradoxalmente, passou a revelar o que havia de ruim no governo anterior, terminado em clima de ôba-ôba inédito em torno do presidente mais popular da história recente.
O Brasil está em uma enrascada considerável neste momento. Obra de Lula. Por conta das pressões inflacionárias no mundo todo, mais de uma dezena de países (sem contar os 16 que integram a zona do euro) elevaram neste ano suas taxas de juro básicas a fim de conter os preços. Brasil e Índia foram os únicos a iniciar esse ciclo bem antes, ainda em 2010.
O Brasil exagerou na dose de crescimento no ano eleitoral de 2010 e agora está pagando a conta. A corrosão da renda real dos trabalhadores ocorre desde outubro e o Banco Central deve continuar elevando os juros para conter a atividade.
Manteremos o recorde mundial de juros altos, onerando mais a dívida pública e desestimulando o setor privado a investir.
O que os últimos anos do governo Lula (em especial 2010, com alta de 7,5% no PIB) vão deixando claro é que muita coisa foi construída sobre uma base etérea, frágil e artificial. Corremos muito, mas sobre algo vazio.
Essa base etérea responde pelo nome de crédito ao consumo. Crédito caro, com o qual os consumidores ainda pagam quase duas geladeiras e levam só uma nas compras financiadas.
Segundo novo relatório do FMI, os bancos brasileiros expandiram seu patrimônio em cerca de 100% nos últimos quatro anos a fim de, principalmente, despejar crédito no mercado consumidor --que cresce ao ritmo de cerca de 30% ao ano.
O crédito é um poderoso instrumento para fazer qualquer país crescer. Antecipa sonhos de consumo e estimula empresas a investir para vender mais.
Mas, no Brasil, além de ser caríssimo ele foi oferecido ao público em ritmo que cresceu muitíssimo mais rápido do que a oferta de bens e serviços. E, principalmente, dos investimentos produtivos.
Daí a inflação "bombando".
Apesar dos anos de glória de Lula e do crédito ao consumo em alta, o Brasil terminou 2010 com uma das menores taxas de investimento (em fábricas, infraestrutura etc.) do mundo, equivalente a pouco mais de 18% do PIB (quando o ideal seriam mais de 25%).
A parte do governo federal nisso equivale a menos de 1% do PIB (sem contar as estatais). Em qualquer país, são os investimentos públicos que puxam os privados.
Por tudo isso ainda teremos à frente, e por um bom tempo, algumas boas doses de inflação em alta e renda em baixa.
Tudo agora somado a juros mais altos. A serem pagos por uma sociedade endividada "como nunca antes na história desse país".
(*) Jornalista é repórter especial da Folha de São Paulo
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