Eliane Cantanhêde (*)
Vinte e seis anos depois do fim do regime militar, o Brasil vive uma contundente cena de sua maturidade política: Dilma Rousseff, ex-presa política, torturada nos porões e eleita a primeira mulher presidente da República, assume a sua condição de comandante-em-chefe das Forças Armadas, é agraciada com a Grã Cruz da Defesa, da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e diz a 70 novos oficiais militares e suas esposas que o país "corrigiu seus caminhos".
A cerimônia, no Palácio do Planalto, teve a participação do ex-guerrilheiro José Genoíno, hoje assessor do Ministério da Defesa. Conversou com os comandantes, circulou pela oficialidade, exalou democracia.
As diferenças continuam, porque democracia é isso: convivência entre os divergentes, debates, confrontos de ideias. Ninguém precisa pensar igual para conviver republicanamente. Como não precisa pensar igual para conviver dentro da própria casa, civilizadamente.
No discurso, Dilma deixou para lá os temas polêmicos, como o projeto de criação da Comissão da Verdade para apurar crimes da ditadura, que está tramitando no Congresso. E abordou os temas que são música aos ouvidos dos militares: soberania, capacidade de dissuasão (leia-se reequipamento). Ao ressalvar que o combate à miséria é prioritário, acrescentou: "A Defesa não pode ser considerada elemento menor da agenda nacional".
O comandante do Exército, general Enzo Peri, elogiou o discurso: "Excelente".
Ok. A Defesa foi a área mais atingida pelos cortes ao Orçamento deste ano, com R$ 4,38 bilhões a menos, mas com a promessa de que haverá correções assim que possível. Como os 36 novos caças serão adquiridos, mais cedo ou mais tarde. E, como a gente sabe, a esperança é a última que morre.
Quem saiu do Planalto ontem com a sensação de que o Brasil está bem nos trilhos institucionais deparou-se com 10 mil agricultores (segundo cálculos da Polícia Militar) acampados na Esplanada dos Ministérios. Fizeram missa campal, discursos, festa, tudo para pressionar o Congresso a aprovar o novo Código Florestal, que divide o governo, ambientalistas, grandes e pequenos produtores, num festival de paixões.
Os militares sorridentes no Planalto e os agricultores manifestando pacificamente na Esplanada são dois lados da mesma moeda: a moeda da democracia, na qual ambos têm o direito universal da discordância e da defesa de suas posições e visões de mundo. Como todos os demais.
(*) Jornalista é colunista da Folha de São Paulo desde 1997
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