Luiz Fernando Verissimo
Você já deve ter tido a experiência. Está numa mesa de bar com uma turma, as bolachas de chope se multiplicam sobre a mesa, a conversa esquenta e de repente alguém se lembra de alguém. De um que prometera ir ao bar e não aparecera, de um amigo comum de todos que ninguém mais vira...
E fatalmente alguém pega um telefone celular e diz "vamos ligar para esse vagabundo".
Quando localizam o vagabundo, todos se revezam no telefone, xingando o ausente, intimando-o a aparecer, imitando voz de mulher e dizendo "adivinha quem é?", fazendo ruídos de bichos, etc. Mas podem ir longe demais.
Alguém na mesa pergunta "que fim levou o Santoro?" e passam a catar o Santoro com o celular. Primeiro ligam para um número antigo dele, depois chegam a uma irmã dele através de uma moça do serviço de assistência ao assinante miraculosamente eficiente, depois chegam ao próprio Santoro, que faz um curso de informática em Grenoble, na França, e atende o chamado apavorado.
— Que foi? Que foi?
— Seu veado! Onde é que você anda?
— É a mamãe, é? Mamãe está bem?
— Que mamãe? Aqui é o Jander.
— Quem?!
— O Jander. Já esqueceu dos amigos, é?
— Jander, você sabe que horas são aqui?
— Aí não é mais cedo?
Jander ouve cinco minutos de desaforo antes de desligar o celular e dizer, magoado:
"Como as pessoas mudam, né?". Dias depois ouvem que o Santoro ficou tão nervoso com o telefonema no meio da noite que abandonou o curso de informática, abandonou a França, voltou para junto da dona Djalmira, sua mãe, e está trabalhando no armarinho da família. O telefonema tinha mudado a sua vida por completo.
Outra: alguém na mesa diz que tem o telefone particular do Obama, na Casa Branca. Conseguiu na internet. Podem ligar para lá e quando o Obama atender dizer "olha, é do Brasil, foi o senhor que esqueceu uma meia-calça no hotel?", ou "aqui é o Kadafi, posso falar com a Michelle?"
Aí alguém lembra que os americanos podem rastrear todas as chamadas para a Casa Branca, localizá-los por satélites e bombardearem o bar.
E há o mais bêbado de todos que diz que precisa ligar para o Ferreirinha pra saber como ele vai.
— Você esqueceu? O Ferreirinha já morreu. Está no Além.
— Eu sei — diz o outro, com o dedo já pronto para digitar. — Qual será o número?
E as bolachas de chope se empilhando.
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