quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Quem governará?

Leôncio Martins Rodrigues (*) para O Estado de S.Paulo

Uma possível eleição de Dilma Rousseff, juntamente com a maioria de cadeiras já obtidas pela chamada base aliada no Congresso Nacional, tem suscitado muitos receios em setores sociais das classes médias e altas sobre os rumos da próxima administração "esquerdista". Teme-se especialmente que o novo governo aumente a participação estatal na economia, o controle partidário da administração pública e a consolidação de um populismo que, de modo mais radical, teria algumas semelhanças com o fascismo italiano ou com uma "mexicanização". Os dois fenômenos, na verdade, são diferentes entre si e têm pouca chance de vingar no Brasil de hoje, especialmente em razão da divisão partidária e das vitórias do PSDB em Estados importantes. Acho, contudo, que os analistas de nossa política têm dado pouca atenção a um aspecto aparentemente de natureza administrativa - que não diz respeito à ideologia e aos rumos programáticos de um eventual governo de Dilma -, mas que pode complicar o funcionamento do Executivo federal.

Quem efetivamente governará a partir de 2011? Lula ou Dilma?

Quando votaram em Dilma, no primeiro turno, em 3 de outubro, os eleitores foram informados de que, na realidade, não estariam escolhendo Dilma, mas Lula. O ex-metalúrgico, aliás, explicitou claramente o sentido que teria cada voto numa candidata totalmente desconhecida da imensa maioria do eleitorado, escolhida por ele para dar continuidade ao seu governo. Por essa via, os eleitores estariam dando a Lula um terceiro mandato sem alterar a Constituição. Há, porém, outro aspecto não tão virtuoso. A ex-guerrilheira, se chegar ao Palácio do Planalto sem mérito próprio, não terá a legitimidade oriunda do efetivo apoio popular.

Antes da corrida presidencial, para cuidar da administração do governo Lula havia colocado na Casa Civil - e não foi por acaso - alguém que não tinha força política própria. Ou seja, Dilma Rousseff. Era uma posição na administração federal que dava a Dilma muita força e influência, que deixariam de existir, no entanto, no momento em que, por alguma razão, deixasse o cargo. Não seria o caso de um político de algum prestígio próprio que fosse chamado a ocupar algum Ministério. Estamos, pois, diante de uma estranha situação. Se Dilma vencer, e se Lula não for indicado para algum Ministério, o político mais popular do Brasil - em quem os eleitores de facto votaram ao escolherem Dilma - estará fora do governo por quatro anos. Mas ficará de fora da cena política? Pode-se acreditar que se dedicará a assar coelhinhos no seu sítio? Ou, ao contrário, terá alguma sala no Palácio do Planalto ou uma mesa no gabinete da Presidência? Quem mandará de fato?

Caso seja eleita, se Dilma passar a Lula o governo, transferindo-lhe a última palavra nas principais decisões, a ex-chefe da Casa Civil estará desmoralizada e terá sua autoridade diminuída. Mas é pouco provável que se disponha a ser uma figura de segundo ou terceiro escalão e que aceite a função de uma fiel secretária, sem vontade própria.

E, aqui, é preciso considerar que, não importando quão grata e leal Dilma possa ser a Lula, pelas regras do jogo dos regimes presidencialistas quem manda é o presidente. Geralmente, com o correr do tempo, as criaturas revoltam-se contra o criador. Na História brasileira temos muitos casos de padrinhos políticos, impedidos de disputar um novo mandato, que conseguiram eleger o que foi denominado de "poste". Lembremos dois casos.

Adhemar de Barros, então governador, em 1950 lançou o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Lucas Nogueira Garcez para lhe suceder. Todavia, uma vez no governo, Garcez afastou-se de Adhemar e ajudou a eleger Jânio Quadros. Celso Pitta, um desconhecido, eleito prefeito de São Paulo em 1996 com apoio integral de Paulo Maluf, logo rompeu com seu tutor. Note-se que, em ambos os casos, o chefe político dono de votos, para não se arriscar, escolheu alguém sem força eleitoral e política. Um "administrador". Mas isso não impediu que o anterior protegido declarasse a independência.

Não é que as criaturas tenham vocação para a traição, mas sim que não gostam de ser paus-mandados. Mais do que isso, não podem ocupar posições de chefia permanecendo subordinados a alguém que não tem mais poder, situação que Lula experimentará para os próximos anos. Poderia ser contemplado com algum Ministério. Mas seria uma capitus diminutio para quem terminou dois mandatos com a aprovação popular que sabemos. Atividades políticas não admitem mais do que uma grande liderança. Trotsky e Stalin que o digam.

Todos os atos importantes do próximo governo deverão trazer a assinatura de Dilma, se a indicada vencer. Um novo Ministério deverá ser formado. A quem estarão subordinados os novos ministros? Que partidos aliados e facções do PT serão mais beneficiados com Dilma na Presidência da República?

A carreira de Lula e a de seu círculo de relações mais estreito não são iguais à da candidata que ele escolheu. Dilma veio do PDT, aderiu oportunamente ao PT somente em 2001, não passou pelo sindicalismo e não disputou eleições. Se eleita, ficará todo o mandato sob as ordens de Lula?

A ex-guerrilheira está longe de ser caloura na área da política. Na realidade, foi política a vida toda. Começou antes de Lula, mas veio do movimento estudantil e da guerrilha. Ocupou posteriormente altos cargos públicos na administração pública estadual (Rio Grande do Sul) e federal que devem ter-lhe trazido experiência administrativa. Nada na sua personalidade e na sua trajetória indica que tenha vocação para secretária obediente. Se vencer, terá de governar e aprender rapidamente a navegar em águas turvas.

(*) Cientista Político



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