Eduardo Martins Boiati (*) para O Estado de S.Paulo
O íntimo sentimento da maioria das pessoas é o de que lugar de bandido é na cadeia. Mas a população, que ano após ano vem assistindo ao desmedido aumento da criminalidade - especialmente a violenta, que a atinge direta e imediatamente, e a de gabinete, que a atinge indireta e mediatamente pela falta de ações básicas de saúde, educação e segurança, por causa do solapamento que a corrupção e outros desmandos causam nos recursos públicos -, nota que os bandidos estão mais soltos do que nunca.
Enquanto isso, mesmo não tendo cometido crime algum, somos condenados a viver enclausurados entre nossos muros, grades e cercas, e atemorizados com a ideia de ter de sair de casa - ou de saber que algum ente querido tenha saído -, pois o risco de não voltar, ou de voltar despojado de bens conquistados à custa de muito trabalho, é grande.
O aumento da criminalidade tem coincidido com o afrouxamento da legislação penal, tanto que a aplicação de pena efetiva de prisão virou exceção e somente ocorre para os praticantes de crimes gravíssimos, ou para os criminosos contumazes, os multirreincidentes.
Para os crimes considerados de média gravidade existe uma sucessão infindável de medidas despenalizadoras. Elas vão desde a suspensão do processo mediante algumas condições que, se cumpridas, farão o réu não ser condenado, até a suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob algumas condições, passando pelas penas alternativas.
Para os delitos de menor potencial ofensivo, que são os leves, é possível a celebração de acordo com o Estado antes que o processo se inicie, quando o indivíduo pagará determinada quantia a entidade assistencial, ou prestará serviços à comunidade, ou será multado e pronto. Se for porte de droga para uso próprio, a pena é de advertência. Nem nas mais leves infrações de trânsito há penas tão brandas assim.
Em decorrência de todos os benefícios já existentes, a prisão efetiva fica relegada a casos excepcionais e gravíssimos, como a extorsão mediante sequestro, o latrocínio, o homicídio, o estupro, o roubo, o tráfico de drogas e outros poucos. Não nos esqueçamos de que mesmo nesses casos os criminosos têm direito à progressão da pena, passando de um regime prisional mais rigoroso para outro menos rigoroso, até chegar ao regime aberto, que, no Brasil, nada mais é do que a liberdade propriamente dita.
Para ter direito à progressão, além do bom comportamento carcerário, o criminoso deverá cumprir parte da pena - 16% para a maioria dos crimes, ou, no caso de crimes hediondos, 40% se primário, ou 60% se reincidente.
Assim, poucos são os delitos que levam o criminoso efetivamente para a cadeia. E, mesmo quando for o caso de prisão, ela não durará muito tempo ou, pelo menos, durará tempo inferior ao que seria necessário para fazer frente ao crime praticado.
É o caso do tráfico de drogas. Pela lei anterior, de 1976, a pena mínima era de três anos. Pela lei nova, de 2006, a pena mínima passou a ser de cinco anos. A nova lei, no entanto, prevê que, se o criminoso for primário, tiver bons antecedentes, não se dedicar ao crime e não fizer parte de organização criminosa, ele terá direito a substancial redução, de sorte que receberá, em geral, pena mínima de um ano e oito meses. Desses, precisará cumprir oito meses no regime fechado para ter direito à progressão a regime mais brando.
No caso do roubo com emprego de arma de fogo, que não é considerado hediondo, bastará que o criminoso cumpra um sexto da pena para ter direito à progressão. Assim, se pegar seis anos, deverá cumprir um ano em regime fechado, mais cerca de dez meses em regime semiaberto, de modo que, cumpridos menos de dois anos do total de uma pena de seis, estará novamente na rua, em regime aberto, no qual a fiscalização praticamente não existe.
Mas se a situação está ruim, ela ainda pode piorar.
Existe uma forte corrente, chamada teoria da criminologia crítica, influenciada pelo marxismo ortodoxo, que entende que o fim da criminalidade depende da eliminação das explorações econômica e política das classes menos favorecidas. Além disso, esses teóricos pregam como estratégia de política criminal a despenalização, com a substituição das sanções penais por sanções civis ou administrativas. Atualmente esse pensamento se encontra largamente difundido no meio jurídico e certamente influenciou e continuará influenciando as alterações legislativas e os posicionamentos judiciais, enfraquecendo a necessária repressão à criminalidade que a pena de prisão representa.
Enquanto teses acadêmicas desse tipo são aplicadas sem critério, as classes menos favorecidas continuam sofrendo mais com a criminalidade do que com a tal exploração econômica. Certamente, se for feita uma enquete, as pessoas preferirão ficar livres dos criminosos a ficar livres dos patrões. Além do mais, se pobreza fosse sinônimo de criminalidade, certamente no Brasil teríamos mais criminosos do que pessoas honestas.
Portanto, a meu ver, a existência, a ampliação e a efetiva aplicação das penas privativas de liberdade são situações necessárias para, dentre outras razões, afastar o criminoso do meio social, ainda que por algum tempo, impedindo que esse indivíduo continue delinquindo, bem como para prevenir, pelo exemplo, a prática de outros crimes.
E a pena privativa de liberdade deve ser cumprida como tal, com rigor e dignidade, impedindo-se que criminosos continuem a delinquir a partir do interior dos presídios, que são hoje em dia verdadeiras casamatas para facções criminosas.
(*) Quarto Promotor de Justiça de Votuporanga (SP)
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